Ninguém está negando que é um saco ter que gerenciar e memorizar senhas para tudo quanto for serviço que você tiver que usar. Mas se você tem este péssimo hábito de usar a mesma senha para mais de um serviço, saiba que a primeira coisa que acontece quando há um vazamento de dados e senhas de acesso de usuários são publicadas é o pessoal das más intenções testar esta mesma senha em diferentes serviços que você possa usar. Boa parte das vezes esta coisa funciona porque – justamente – muita gente acaba usando as mesmas senhas para tudo.
🤷♂️
Então, a minha recomendação inicial hoje é a de que você deve se proteger mais. Se você tem este péssimo hábito de compartilhar senhas em diferentes serviços, vá mudando as senhas aos poucos. Coloque senhas difíceis e diferentes para cada coisa que você usa. Este processo pode ser executado a cada vez que você vai acessando um dos serviços. Assim fica menos chato trabalhar a sua proteção.
Uma outra coisa que eu recomendo é que você não anote suas senhas em nenhum lugar visível ou acessível a ninguém sem proteção. Deixar um caderningo ou um papelzinho com as suas senhas anotadas em algum lugar é receita perfeita para ter problemas no futuro.
A recomendação nesse sentido é usar um serviço de gerenciamento de senhas. Há vários deles por aí e muitos testes certificando a segurança deles. Pessoalmente eu recomendo o Bitwarden. É uma solução gratuita para uma pessoa e que tem a possibilidade de integração com seu navegador ou mesmo usar em um aplicativo no celular e no computador. As senhas são guardadas protegidas por – isso mesmo – uma senha e você pode resgatar suas credenciais onde quiser, desde que esteja conectado à internet. É um esquema bem fácil de usar. Uma vez que você instala o Bitwarden, a única senha que você vai memorizar é a dele. O resto vai estar tudo guardada lá dentro. Daí é só proteger esta conta. Simples e fácil.
Existe ainda uma outra abordagem de segurança que é você ter um banco de dados criptografado com suas senhas e usar um aplicativo em suas máquinas para abrir este banco. Nada de usar serviços de empresas. Essa abordagem é mais privada e te dá mais autonomia. Muita gente curte, por exemplo, usar o Keepass (que é um aplicativo que tem para celular e computador) para gerenciar este banco de senhas (que muitos chamam de cofre) sincronizando tudo num DropBox da vida. è uma solução interessante e bastante segura.
O que você não deve fazer, então, é ficar desprotegido.
Existe uma expressão muito peculiar no nosso idioma que é “pagar lingua“. Pagar lingua é uma expressão que usamos quando alguém faz algo que dizia ser contra.
Eu sou mestre em fazer isso. Acho que sou a pessoa que mais pagou lingua em toda a sua vida. Pelo menos sou a pessoa que mais pagou lingua que eu conheço.
O exemplo mais recente de meu pagamento de língua é o fato de que agora estou usando o ambiente de desktop KDE em meus computadores.
Há coisa de poucos meses eu cheguei falar muito sobre o quanto eu odiava o KDE publicamente para quem quisesse ouvir.
Quando voltei a usar Linux em 2022/2023 eu havia acabado de sair de anos usando mac. Então a entrada mais obvia seria pelo ambiente do Gnome. Fiquei uns meses usando, não me acomodei direito e me senti em casa no Cinnamon. Usei o Cinnamon por bastante tempo até que fui picado pelo bichinho do distro hopper e acabei voltando pro Gnome. Só que eu nunca me senti verdadeiramente em casa no Gnome. Muita coisa me incomoda lá. No entanto resolvi seguir usando para ver se me acostumava. Afinal, é o ambiente mais usado. Novos meses passaram e eu estava, de fato, me adaptando ao Gnome.
Ah, e vale lembrar que durante todo este tempo que eu usava o Gnome, depois o Cinnamon e de volta ao Gnome, uma coisa eu não deixava de fazer: falar mal do KDE.
Só que daí um texto com várias críticas ao Gnome chegou em minhas mãos. Lendo o material eu fui identificando todas as coisas que me incomodavam no Gnome e que eu passava por cima por qualquer que fosse o motivo.
Só que, ao ler aquele texto, as ideias ficaram em minha cabeça e as incoerências visuais do Gnome ficaram por demais desconfortáveis pra mim. Não dava mais para tolerar.
Ao invés de voltar para o Cinnamon, que eu adoro, mas que tem problemas (um deles é justamente ser meio que escorado no Gnome para várias coisas), eu quis experimentar algo mais moderno.
Resolvi dar outra chance ao KDE.
Olha, talvez tenha sido a melhor coisa que eu tenha feito nos últimos tempos. O KDE é robusto e coerente. Pode ter um visual e uns comportamentos estranhos à primeira vista. Os ícones que ficam pulando pela tela quando acionamos um software, por exemplo, são das coisas que mais demorei a me acostumar. Há também muitas opções e configurações. Mas se você se concentrar e trabalhar de forma focada, não vai se deixar levar pela profusão de personalizações e conseguirá estabelecer um workflow bem produtivo.
Hoje estou em lua de mel com o KDE. Entendi que não é só porque a gente pode mexer em todo e qualquer aspecto de uma interface que a gente deva fazer isso. Então ciente dessas possibilidades, sigo minha vida no conforto de usar um ambiente bem robusto e estável.
Levando em conta as mudanças futuras do Windows na próxima versão, eu acho que muita gente que liga para segurança e privacidade vai acabar migrando para um sistema baseado em Linux e a minha recomendação é testar o KDE porque vai ser bem mais fácil as pessoas se sentirem bem neste ambiente. Minha pedida é que testem o Kubuntu, o Fedora KDE ou mesmo o OpenSuse. Para quem tiver mais coragem (ou auxílio) o KDE Neon é imbatível.
Tem uma coisa que me incomoda um pouco que é ver o quanto a gente (aí estou falando sobre pessoas que estudam e trabalham com comunicação) se deixa levar por recursos retóricos que a gente conhece muito bem.
Parece que estamos passando recibo de tolos quando a gente vê discursos claramente fabricados para convencer as pessoas de alguma coisa (como comunicadores, a gente tem capacidade para enxergar quando um discurso é montado assim; afinal, a gente aprende a fazer isso e faz isso o tempo todo) e acaba convencido.
Me dá uma raiva quando percebo isso acontecendo…
O caso mais recente disso se refere ao que tem-se convencionado chamar de “Inteligência Artificial”. Temos visto este termo ser colado em tudo ultimamente com a desculpa de que isso será o nosso futuro inevitável e de que isso transformará tudo profundamente.
As duas colocações são bastante genéricas e não querem dizer especificamente nada objetivo. De propósito. Faz parte da retórica que está sendo construída para justificar a quantidade de dinheiro que tem sido investido nisso.
Eu fico chateado quando vejo pessoas falando que isso será uma espécie de futuro inevitável. A última vez que ouvi este tipo de discurso foi quando tentaram vender a ideia do metaverso do Zuckerberg e, como sabemos, passaram-se alguns anos e nada de o tal metaverso ter decolado.
Dá uma pena saber que teve gente que se matriculou em escolas convencido de que teria aulas imersivas com uso de realidade aumentada e viveria experiências de aprendizado inovadoras no metaverso.
Enfim, coletivamente fomos enganados e preferimos fingir que nada aconteceu porque, afinal de contas, ai de mim admitir que errei e acreditei em uma coisa que não era real, né?
Acho que a mesma coisa está acontecendo com isso que as pessoas tem chamado de inteligência artificial. Eu tenho uma resistência grande a esse termo porque li e vi coisas que me evidenciaram que estas ferramentas não representam inteligência. Nesse sentido, a primeira indicação que eu tenho pra hoje é a fala do Miguel Nicolelis sobre o assunto. Ele explica de um jeito fácil e claro de entender que a gente não deve chamar isso de inteligência artificial.
Isso não quer dizer que não exista utilidade para este tipo de coisa. Entendo que o aprendizado de máquina possa ser muito útil para realizar tarefas repetitivas que nós acabamos demorando muito para realizar. Os estudos e testes nesta área são promissores.
Mas achar que o ChatGPT vai substituir uma pessoa para escrever um texto é demais pra mim. Talvez porque eu esteja lendo muitos textos feitos com ChatGPT nos últimos semestres, graças a muitos alunos que enviam trabalhos que deveriam ser textos autorais mas acabam usando este tipo de ferramenta, eu acho que é muito fácil identificar este tipo de texto com uma estrutura muito fácil de perceber e uma forma que a gente detecta rápido. A profusão de listas e frases vazias / genéricas são algumas características deste tipo de texto. Fica chato ler textos assim e verdadeiramente não penso que este seja o nosso futuro. Tomara que não seja. Imagina a gente ter que ler textos que ninguém quis se dar o trabalho de escrever… Por que diabos eu deveria ler isso, então?
De igual maneira acho difícil comprar a ideia da geração de vídeo com estas ferramentas. O que tem sido mostrado, em geral, é coisa que não tem muita utilidade. Achar que isso será o futuro me deixa desanimado com o futuro.
Novamente reforço que não estou aqui para colocar água no chope de ninguém. As ferramentas de aprendizado estão evoluindo bastante e há muito potencial por exemplo no uso de trechos de áudio com a voz de alguém para treinar uma máquina que será capaz de reproduzir esta voz. Isso é maravilhoso e ao mesmo tempo assustador. Maravilhoso porque pode abrir uma série de possibilidades para a gente ter um novo tipo de dublagem, por exemplo, garantindo maior acessibilidade. Assustador porque abre portas para a criação de deep fakes que podem causar muito dano na sociedade.
Mas fato é que a gente, coletivamente, está se deixando levar por este discurso de que não há futuro sem IA sem ao menos saber de aplicações práticas concretas imediatas destas ferramentas. É isso que me decepciona. Em outros momentos eu reforçaria que o segredo do sucesso é saber segurar a onda. Por isso, é a falta de uma visão um pouco mais crítica sobre este cenário que se desenha.
Ah, e quando falo isso, não estou falando que devemos simplesmente fazer oposição a tudo pelo simples fato de construir a oposição. Não é nada disso. É a necessidade de nos afastarmos um pouco, olharmos este discurso tão facilmente identificável como vendedor de uma ideia que nem está ainda 100% construída e construirmos uma interpretação mais apropriada.
Nesse sentido, minhas recomendações finais são alguns episódios do podcast Better Offline em que o apresentador Ed Zitron discorre sobre os problemas relacionados a isso que tem-se convencionado chamar de inteligência artificial. Há também uma entrevista do CEO do Google falando sobre como eles pretendem seguir com a implementação das sugestões de texto construídas pelo Gemini nos resultados de busca, mesmo sabendo que estão repletas de erros. Outra leitura que eu recomendo é sobre como o uso de ferramentas como ChatGPT pode ser ruim para instituições educacionais; especialmente referindo-se às suas reputações. Por fim, uma recomendação de um texto comentado lá no Better Offline em que pesquisadores afirmam que o ChatGPT é pura bobagem.
No final da manhã de hoje me pediram um documento importante de trabalho que eu não tinha em meu computador no momento. Sem problemas, pensei. Consigo recuperar este documento rapidamente no meu serviço de armazenamento na núvem.
Quando acessei o serviço, eis que a pasta onde o documento deveria estar não tinha nada. Foi aí que eu me perguntei: o que tem pra hoje?
Com mais de 25 anos trabalhando com comunicação digital tem algumas coisas que a gente aprende desde cedo. Uma das principais é que Back up, memória ram e livros, a gente nunca tem demais.
Só que tem uma pegadinha aqui. Muita gente acaba confiando em serviços como DropBox, Google Drive ou iCloud como a única solução de backup.
Na na ni na não, pessoal!
Se eu fosse confiar apenas em meu serviço de armazenamento na núvem para resolver a demanda desta manhã, estaria lascado.
Eu mantenho meus computadores sempre ligados ao meu serviço de armazenamento na núvem. Assim fica tudo sempre sincronizado e eu posso acessar todas as coisas que preciso rapidamente, estando em casa, no escritório, na rua ou no trabalho; com ou sem meu computador.
Só que, por algum descuido ou infortúnio, os conteúdos da pasta onde deveria estar um documento importante sumiram de todos estes lugares. Se eu fosse confiar apenas nesta solução para guardar meus documentos e ter acesso rápido a eles, estaria perdido.
Eu aprendi há uns anos que backup mesmo não é só ter uma cópia, mas sim ter mais de uma cópia. 🙂
Tem um lugar aqui no meu escritório em que mantenho uma caixa de HD’s externos. Nessa caixa também tem um monte de pen drives. Os conteúdos destes HDs e pen drives já me salvou inúmeras vezes.
Hoje eles me salvaram outra vez. O documento que eu precisava estava aqui. Tão logo eu o localizei, entreguei para quem me pediu e, claro, tratei de restabelecer a cópia remota também. Macaco velho não enfia a mão em cumbuca, certo?
Já pensou se entra um amigo do alheio em meu escritório e leva embora a minha preciosa caixa de HDs? Ou pior: vai que o meu escritório pega fogo ou é inundado numa enchente?
Confiar em apenas um lugar para manter as cópias de seus documentos não é o mais bacana. Na verdade, não é nada recomendado.
Em 2012, o furacão Sandy causou muito estrago em Nova Iorque. Muita inundação. Uma série de empresas confiavam suas soluções de armazenamento e até mesmo os servidores de seus sites em um datacenter chamado Datagram, que foi inundado durante a passagem do furacão e as chuvas subsequentes.
Imagina só se acontece uma coisa dessas com o seu serviço de núvem ou com o seu escritório? Por isso é mais do que importante e necessário que você não confie em apenas um desses lugares para ser o único repositório de suas cópias de segurança.
Então, pessoal, o que tem pra hoje é que eu estou alinhando meus backups locais com o que está em minha estação de trabalho e também com a núvem. Assim reforço a minha proteção e diminuo o risco de que alguma coisa me surpreenda no futuro. Pessoalmente, recomendo que você faça o mesmo.
Enquanto faço as minhas cópias de segurança, aproveito para escutar Elliott Smith. O disco que mais curto dele é o Either/Or, de 1997. Acho que se eu tivesse o vinil desse álbum, seria um exemplo de disco que eu teria escutado tanto que até teria desgastado o acetato. Este disco é também apreciado por Gus Van Saint, que pegou três músicas do álbum para colocar na trilha sonora de Gênio Indomável. Outro filmão que eu recomendo a você assistir. Este filme tem uma atuação primorosa do Robin Williams. Tanto Elliott quanto Williams já não estão mais entre a gente. De fato, uma enorme pena estes caras terem deixado o planeta tão cedo.
A dica final de hoje é o serviço prime da Amazon. Logo no começo da manhã fui ao supermercado e o pó de café estava na lista. Não comprei porque no supermercado que eu estava meio quilo de café estava custando 23 reais. Um absurdo. Ainda bem eu tive a presença de espírito de olhar no aplicativo da Amazon e ver que, no Prime, o mesmo café estava custando 19 reais. Obviamente comprei pelo app e agora vou criar o hábito de sempre dar uma olhada em itens de supermercado também no app da Amazon. Pode parecer loucura, mas acho que vai ser frequente encontrar itens de consumo da casa mais barato lá na Amazon do que eu encontro no supermercado perto da minha casa.
E agora, uma palavra dos nossos patrocinadores
A produção d’O que tem pra hoje é financiada em parte pela remuneração recebida a partir de compras feitas por meio de links afiliados na Amazon. Sempre que você clica em um dos links com indicação para compra de alguma coisa no site do Jeff Bezos, a gente ganha uma comissão.
Quer saber O que tem pra hoje todos os dias?
De segunda a sexta eu vou mandar por e-mail dicas de coisas bacanas para quem quiser receber. Para assinar, é só acessar o meu site e mandar brasa no seu cadastro. Além do e-mail você pode receber estas dicas em formato de podcast e também em nosso canal de WhatsApp. No canal do WhatsApp outras coisas podem ser postadas ao longo do dia, então eu recomendaria participar.
Todos os dias eu tenho a nítida impressão de que estou sendo feito de trouxa. Acho que não estou sozinho.
Hoje eu acordei com a notícia de que a minha assinatura do Mercado Livre (que dá acesso a Disney plus e garante frete grátis para compras acima de determinado valor) vai aumentar de preço.
Daí eu te pergunto: se eu já acordei com essa, o que tem pra hoje?
Essa história já está ficando batida. Começa com uma empresa oferecendo um produto em uma oferta bastante sedutora. Pode ser um preço bem baixo, uma comodidade que os concorrentes não estavam acostumados ou então alguma funcionalidade que acabe colocando o produto num patamar bem superior aos seus concorrentes.
Você se lembra quando Uber começou a operar no Brasil? Eu me lembro. Fui convidado a experimentar o serviço em um evento em fevereiro de 2015. Lembro que àquela época eu já havia lido sobre a empresa e sua atuação em diversas cidades dos Estados Unidos.
O carro que eu peguei em minha primeira era um sedã de último tipo, com bancos de couro e tudo o mais. Era um serviço de luxo sendo oferecido por um preço mais baixo que o de uma corrida de taxi aqui em BH.
Conversando com os motoristas tanto no trajeto de ida quanto na volta para casa, eles me falaram que estavam conseguindo lucrar bastante com aquele trabalho. Apenas elogios.
O tempo foi passando e a gente foi se acostumando a usar Uber como uma alternativa a Taxis em cada vez mais cidades. Mais motoristas começaram a participar e, com isso, o serviço foi se tornando cada vez mais parte de nossa rotina. Houve quem dissesse que um dia os taxis acabariam e só teríamos Uber na rua.
Hoje, a experiência de fazer um percurso usando Uber não é mais como em 2015. O padrão dos carros mudou, novos tipos de serviços foram adicionados e se eu quiser uma corrida em um sedã de úlktimo tipo, terei que pagar mais. O preço por cada corrida também mudou. Hoje usar Uber não significa mais que o seu trajeto será mais barato do que o trajeto de taxi. Pelo menos não tão mais barato como era.
Outra coisa que mudou radicalmente é o quanto o motorista vinculado a esta empresa ganha pelas corridas. Se lá em 2015 o motorista se gabava do quanto ele conseguia ter como rendimento trabalhando dessa forma, hoje a coisa é outra. Os motoristas precisam rodar muito mais por dia para poderem arcar com os custos envolvidos com a atividade. Rendimento, mesmo… muito pouco.
O que acontece com a minha conta (que muito provavelmente em breve cancelarei) no Meli+ e o que acontece com o motorista que trabalha com o Uber tem relação e se chama enshitification. O nome é bonitinho (porque é em inglês) mas a tradução é bem mais explicativa para nós brasileiros: merdificação.
Este conceito é bem interessante e vem sendo trabalhado por seu criador e ativista da internet Cory Doctorow. Empresas, depois de conseguirem uma participação de mercado que as coloque em situação confortável, reduzem a qualidade da sua oferta. Em outras palavras, depois que o produto passa a ser amplamente utilizado, ele acaba ficando pior. Mas perceba: o produto não fica pior porque tem mais gente usando. Ele fica pior porque a empresa decide piorar o produto para maximizar seus lucros.
O conceito não é exatamente novo. A abordagem com o universo da tecnologia é que é bem nova e a sacada do Cory Doctorow é excelente por causa disso.
Na economia este conceito se chama Dumping e explica a prática de uma empresa (normalmente uma grande empresa que está entrando em um mercado novo) de praticar preços mais baixos que os de custo de forma a assegurar um futuro monopólio. Quando este monopólio é assegurado, os custos em operar abaixo da linha da lucratividade num momento inicial são revertidos e quem paga a conta é o consumidor.
Enshitification tem muito a ver com Dumping porque também se relaciona com monopólio. Uma empresa, digamos… uma ferramenta de busca ou uma plataforma de compartilhamento de fotos, por exemplo, lançam seus produtos com qualidade superior à de seus concorrentes. Oferecem experiências bacanas para as pessoas que passam a usar estes novos serviços deixando os concorrentes de lado. Uma vez que muitas pessoas estão usando o produto, as empresas atraem parceiros (que podem ser anunciantes) para participarem do processo. A estes parceiros a oferta também é tentadora. Se para usar o serviço as pessoas não pagam nada e tem acesso a uma boa experiência como contrapartida, para os parceiros, os anúncios são baratos e eficientes. Um anunciante pode alcançar muitas pessoas com sua mensagem em uma plataforma boa desse jeito.
Daí, quando a plataforma (seja ela de busca ou um serviço de compartilhamento de imagens) ganha praticamente plena adoção de usuários e empresas, chega a hora de pagar a conta. A qualidade do serviço diminui, o preço do anúncio fica mais alto e a vantagem que antes usuários e parceiros enxergavam em usar a plataforma desaparece. Você pode ter um vislumbre daquilo que um dia foi se pagar uma alta monta de dinheiro para impulsionar postagens ou anunciar na plataforma, por exemplo.
Esses três passos são o que Cory Doctorow descreve como enshitification ou merdificação. O que eu expliquei aqui em poucas palavras é apresentado em detalhe e com muito mais autoridade pelo próprio Cory Doctorow em uma apresentação que ele fez na DefCon 31, que aconteceu no ano passado. Este vídeo com a fala do Cory Doctorow é a minha primeira recomendação de hoje. É uma fala muito importante para entendermos a merda em que estamos afundados.
Não tenho dúvidas de que a experiência com Uber, com o mecanismo de buscas e com a plataforma de compartilhamento de fotos que mencionei aqui se enquadram perfeitamente no conceito de merdificação. Estamos vivendo isso em vários sentidos, com relação a vários serviços que usamos em diferentes aspectos de nossas vidas.
O que tem pra hoje, então é que, enquanto não fizermos nada, estaremos afundados nessa merda. Não há eufemismos para isso. A gente precisa se lembrar que existem opções para todos estes serviços que a gente usa e que estamos notando que estão ficando piores.
Certamente existem diversas opções ao Uber, incluindo aquelas que não remuneram tão mal os motoristas. Elas podem ser menores, podem ser as cooperativas de taxi, pode ser uma empresa com um modelo de negócio novo que ainda nem decolou, mas ela existe e quando a gente puder, a gente deve usar a alternativa e incentivar seu crescimento na luta contra a empresa grande que quase virou um monopólio.
O mesmo vale para o mecanismo de busca e para a plataforma de compartilhamento de imagens. Há alternativas e podemos usa-las. Achar que a solução monopolística é a única viável não é uma boa. Em primeiro lugar porque ela não é a única solução viável. Em segundo lugar porque se abrirmos mão de usarmos as alternativas, jamais escaparemos das garras daqueles que estão tornando tudo pior pra gente e ainda, não daremos espaço para ninguém crescer. Nesse sentido há até um movimento de startups bem interessantes que, ao invés de se colocarem como futuros unicórnios, elas se colocam como zebras, porque a ideia delas não é a de crescer indefinidamente e se transformarem em gigantes. a ideia é a de apenas resolver problemas das pessoas e sobreviver com segurança. Sobre as zebras eu posso falar outro dia. Vamos começar a caminhar para o fim deste áudio que já está ficando muito longo…
Minha meta para fazer este encerramento é apresentar as duas próximas recomendações bem rapidamente, mas não menos importantemente.
Nesse sentido a segunda recomendação que faço é o livro do Cory Doctorow em que ele traça o plano sobre como vamos retomar o controle de nossas vidas digitais e sairmos dessa posição de reféns de poucas empresas. O livro se chama The internet con. É uma leitura relativamente rápida e repleta de detalhes e aspectos históricos que vão ajudar muito a gente a entender como os monopólios se desenvolveram. Por exemplo, foi lendo o texto do Cory Doctorow que eu descobri que o Yahoo Messenger e o MSN trabalhavam o padrão de mensagens XMPP, que era aberto e permitia a interoperabilidade. Isso foi bem bacana para integrar vários serviços. Até que as empresas decidiram fechar seus protocolos e isolarem seus serviços uns dos outros.
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Sabe quando a gente entra no elevador e encontra alguém num contexto que há uma expectativa de interação? Se a gente não sabe o que falar, acaba fazendo qualquer observação sobre o clima e torce para que aquilo seja o suficiente para ocupar o tempo até que a viagem do elevador acabe. Né? O que tem pra hoje?
O que tem pra hoje é que está quente.
Só que nessa semana de setembro, na região sudeste do país, falar que está quente significa muitas coisas.
A gente está vivendo uma sequência de dias secos com temperaturas bastante altas que acabam vindo um pouco fora de hora, o que está causando uma série de problemas.
Mas não apenas isso. O clima está quente porque também estamos em período eleitoral e a disputa pelas prefeituras neste ano está pegando fogo. Falar, então, que o clima está pegando fogo pode ser algo bastante arriscado de se dizer num desses encontros de elevador.
Ainda assim, é o que tem pra hoje e eu vou falar disso porque precisamos conversar sobre a necessidade de sabermos navegar nesse mar de desinformação e cortes com falas descontextualizadas que estamos vendo o tempo todo e é isso que acaba embasando as decisões de muita gente na hora de escolher em quem votar.
É um assunto que dá quase tanto medo de falar quanto o calor e as mudanças climáticas. Só que precisamos falar de ambos.
Hoje, no entanto, o que tem pra hoje mesmo é o calor das discussões online e a fogueira da desinformação.
O contexto digital nos proporciona uma coisa muito legal que é o rompimento de um modelo unidirecional do fluxo de informações (principalmente notícias) que, na era da mídia de massa iam dos emissores (que existiam em pequena quantidade) em direção aos receptores (a massa). O digital transformou isso e agora temos múltiplos fluxos que vão em diferentes direções, uma vez que agora todos somos potenciais emissores e receptores ao mesmo tempo. Então os fluxos agora são de muitos para muitos. E são múltiplos fluxos. Uma confusão danada.
A gente foi vivenciando o desenvolvimento desse contexto tal qual um sapo em uma panela de água no fogão. A coisa começou a ferver e a gente não foi dando muita notícia. Agora a gente está a ponto de morrer cozido se não fizermos nada. Mas o que fazer? Eu vou dar aqui uma recomendação bem bacana de leitura que pode nos ajudar a enfrentar isso. O livro “Armas de destruição matemática” é um título muito importante escrito pela pesquisadora Cathy O’Neil. Infelizmente a tradução do título para o Brasil não ficou das melhores e o texto acaba se chamado “Algoritmos de destruição em massa“. Eu acho que esta tradução é inapropriada porque acaba por ajudar a distanciar a ideia do que são algoritmos das pessoas no geral. Mas enfim, né? Este texto da Cathy O’Neil é muito relevante porque ele trata de um aspecto bem importante referente à plataformização da comunicação que muito tem a ver com a disseminação de desinformação. A ideia de que as plataformas desempenham um papel muito importante no processo de disseminação de desinformação mesmo que este não seja a intenção inicial das plataformas. No entanto, a sua lógica de funcionamento acaba levando a este contexto.
Complementa a leitura deste texto o artigo “A relevância dos algoritmos“, do Tarleton Gillespie. Este texto também está traduzido para o português num trabalho muito legal dos professores Amanda Jurno e Carlos D’Andrea. Neste texto, Gillespie constrói uma descrição acertada de algoritmos que nos aproxima e facilita o entendimento do que Cathy O’Neil está falando. São informações que se complementam e que ajudam a gente a entender que os algoritmos são regras de trabalho das plataformas que servem a uma série de funções específicas isoladamente e, que, quando trabalhadas em conjunto, a gente tem máquinas de recomendação de conteúdo muito acertadas que acabam por estimular o espalhamento de conteúdos que não necessariamente se desdobrarão em ações coletivas muito felizes. Mas quanto a isso as plataformas não estão muito preocupadas; a função primordial de operar estes vários cálculos e regras é nos mostrar publicidade.
É angustiante, eu sei, mas saber como a coisa funciona é um primeiro passo para impedi-la de continuar funcionando. Nesse sentido a ideia é a gente tentar, individualmente, ser o ponto da rede onde uma informação errada para de circular. A gente precisa se educar novamente para aprendermos a consumir e circular conteúdos nas plataformas e fora delas. A gente precisa compreender que as máquinas de recomendação não se preocupam com a veracidade daquilo que estão recomendando, mas sim com a propensão das pessoas que verão aquelas postagens de ficarem mais tempo nas plataformas para verem publicidade.
Ou seja, para a gente, pessoas comuns, a disseminação de desinformação pode ter consequências catastróficas. Ainda mais em período eleitoral. Isso pode levar pessoas a votarem em gente que se dedica a enganá-las, colocando-se como a novidade e a anti-política ou o antissistema quando na verdade são justamente o contrário. Aqui, uma dica: a solução não está em se deixar levar pelo discurso antissistema ou antipolítica. A solução é justamente aprender e se informar para agir coletivamente e saber viver no contexto político.
O Instituto Palavra Aberta tem uma iniciativa bem legal nesse sentido que é o VAR – Verifique antes de Repassar. a ideia é super simples e é isso mesmo que você entendeu. Recebeu uma notícia? Qualquer notícia? Verifique se é real antes de repassar. Veja quem publicou e cheque quais são as credenciais desse veículo ou personalidade. Repasse apenas aquilo que tiver certeza que é verdade.
Nossa, muita coisa, né? Quase não está dando tempo de fazer outras recomendações. Mas eu não me sentiria bem se não as fizesse. Para dar uma relaxada e retomar as esperanças na humanidade, minha dica é voltarmos não 30 anos como ontem, mas sim 50 anos e irmos direto para 1974. Esse é o ano em que David Bowie lançou o disco Diamond Dogs, que tem a bela música Rebel Rebel. Este foi o ano em que o o Queen lançou seu segundo disco (Queen II) e que o Supertramp lançou o disco “Crime of the century” com a eterna música Dreamer. Mas o meu destaque para esta leva de recomendações é o quarto disco do Kraftwerk chamado Autobahn. Nossa, quanta coisa boa aconteceu em 1974, né? Meio século de excelentes canções.
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Hoje é dia 2 de setembro de 2024. Eu sou o Caio e te pergunto: o que tem pra hoje?
Bem, por aqui, o que tem pra hoje é que estamos em 2024 e este é o ano em que vários discos muito legais estão celebrando 30 anos de lançamento. A minha recomendação inicial é um disco que comemorou seus 30 anos de lançamento no último dia 30 de agosto. Foi naquela data que o Bad Religion lançou um de seus mais importantes albums: Stranger than fiction. Este disco é primoroso e conta com, provavelmente a minha faixa favorita da história do Bad Religion: Infected. Este disco é muito bom e conta ainda com a 21st century digital boy, que é – talvez – uma das músicas mais marcantes da banda. Bem, o disco vendeu mais de 500.000 cópias nos Estados Unidos. Você pode ouvir este disco na íntegra aqui. Quem sabe você também não aproveita e compra o livro que conta a história da banda? Esse livro é cheio de curiosidades bacanas como, por exemplo, o fato de eles terem feito uma tournée com o L7 pelo interior dos Estados Unidos e tocarem para públicos de – em média – 50 pessoas na platéia. Já imaginou como não devem ter sido estes shows? Eu morro de inveja de quem teve a oportunidade de assistir.
E já que eu falei em música, vou emendar com uma sugestão: Você curte acessar o YouTube, presumo. Afinal, são mais de 2.50 bilhões de pessoas que acessam o site diariamente. Certamente você está nessa lista. Minha recomendação a você nesse sentido é assinar o YouTube Premium. O Google (empresa dona do YouTube) está fechando o cerco contra as pessoas que usam bloqueadores de anúncios. Assim sendo, a maneira mais interessante de acessar o site sem ser interrompido constantemente é pagando. A minha dica é o plano familiar, que custa R$ 41,90 e você pode colocar até seis pessoas na família para curtir o site sem ver nenhum anúncio. A relação que eu fiz com a música anteriormente se justifica agora: quando você assina o YouTube Premium, ganha de lambuja o YouTube Music, serviço de streaming de música. A barganha acaba sendo bem sedutora porque o preço por pessoa fica abaixo do que se paga pela assinatura mais barata do Spotify, por exemplo. No Spotify você vai pagar 34,90 por mês no plano família. No YouTube, você paga 41,90 para as mesmas seis pessoas usarem um serviço de streaming de música e o YouTube. Eu acho que vale a pena e por isso te recomendo. Se você tiver muito apego às suas playlists criadas no Spotify, não tema. Há uma ferramenta bacana e gratuita que te ajuda no processo de migração destas playlists do Spotify para o YouTube Music. Já usei para migrar playlistss do Deezer pro YouTube Music e posso dizer com segurança que funciona muito bem.
Para terminar a lista de recomendações de hoje, uma leitura bacana e bem curta: um texto provocador do Ruy Castro sobre o nosso futuro tendo em vista as relações que estamos desenvolvendo com as telas… No que isso vai dar? Este texto é simples e rápido, deixando uma provocação bem interessante para a reflexão sobre as coisas que acabamos fazendo ao mesmo tempo. Será que não seria o caso de pensarmos e atuarmos no sentido de que menos pode ser muito mais?
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Note: This is the english version of a previous post written in portuguese
There has been much discussion about Jonathan Haidt’s book “The Anxious Generation.” I have discussed the ideas the author presents here and here. I still believe the text is very important and needs to be worked on/discussed. That’s what I attempt to do in this post.
The book has been among the bestsellers in both Brazil and the United States since its release. I don’t think this is a coincidence. Those involved in the education and upbringing of children, adolescents, and young adults have noticed the impact that interactive digital technologies have provided — whether for better or worse.
I would like to, within this proposal, bring the text into focus and discuss how it is being treated in some places I’ve seen/heard/read about. It’s peculiar that at least four researchers with solid and consistent work on the digital context and adolescent behavior have suggested that the issues raised by the author in his book are mere moral panic; minimizing the impacts of social media and mental health—especially of adolescents. I find it amusing that some of these researchers seem so angry about what’s in his book that they refuse to even mention it by name, yet they refer to the book’s points constantly. Recently, they expressed their views in three different podcasts on this topic, which is quite interesting to observe. You can listen to these episodes here, here, here, and here. The researchers in question are Candice Odgers, danah boyd, Alice Marwick, and Devorah Heitner.
I have read quite a bit of work by all these authors and frequently use texts written especially by danah boyd and Alice Marwick in my classes. What they say carries significant weight and helps me understand the world and the impacts of interactive digital technologies on the lives of children and adolescents. Their comments on Haidt’s text need to be carefully considered, as there are many important criticisms to take into account.
My interpretation, however, is that despite the criticisms, what Haidt addresses in his text needs to be a topic of discussion among parents and educators.
Indeed, we need to view Jonathan Haidt’s statements in perspective and not consider everything in his book as absolute truth or even understand it only as he has stated. We shouldn’t do that with any text by any author, to be clear. However, part of the criticisms from the authors mentioned above relate to the causal relationship Haidt posits between social media use and mental health problems in adolescents. Given the relationship he proposes between social media platforms as causes of observed mental health issues in adolescents, it must be understood that, although there seems to be an evident relationship, it is not necessarily causal.
Look, we—collectively—have had more access to tools, treatments, professionals, and diagnostic apparatus for mental health in recent years. This alone could help explain the increase in diagnoses of conditions related to worsening mental health. However, we need to understand that social dynamics are complex and many things are happening simultaneously. The rise in diagnoses coincides with the widespread adoption of social media platforms, but it also coincides with a series of other global events (wars, climate change, various conflicts, social inequality, injustices of all kinds… the list goes on).
This does not mean that there is no influence.
What I want to say here is that while it is somewhat naive and presumptuous to categorically state that social media platforms or even the emergence and use of smartphones are the cause of mental health problems in adolescents, it cannot be denied that social media platforms do influence our mental health. More on this later.
The main criticisms from the cited authors regarding Jonathan Haidt’s work directly address the point that the correlation and causation relationship he establishes between social media use and declining mental health is weak and there is insufficient evidence that it is the cause of the mental health issues we have observed (this is not speculation); especially concerning adolescents. Even considering the scenario from 2019, emphasized by the author in his arguments. These criticisms are indeed very important, and we always need to be careful not to let facts A and B occurring in the same period be understood as having a causal relationship with each other.
But it is also a fact that we need to always try to understand the general context in which a particular fact fits. What Jonathan Haidt discusses is quite related to what people perceive in their daily lives. Not by coincidence, as I mentioned at the beginning of the post, his book has been widely read around the world.
When I started writing this text on July 9, the book was the second most sold on The New York Times list, having been on the list for 14 weeks. I understand that this reverberation exists because those who are echoing what the author says in the book are seeing things happening. And that’s why I think we need to discuss the book’s topic.
The most eloquent argument that goes beyond the issue of causation relationships indicated by the four authors I mentioned earlier comes from people who discuss the impacts of interactive digital technologies on our lives with a techno-optimistic perspective. I understand this is the case with journalist Taylor Lorenz, who has an excellent podcast on digital culture called “Power User.” One of the referenced talks above was published on her podcast, when she interviewed danah boyd.
Taylor often criticizes Haidt’s text, classifying it as moral panic (danah boyd does the same). I especially recommend this video from Taylor Lorenz on the topic to help build an opinion about it:
Unfortunately, one thing I think is important for helping with the context here cannot be replicated. I was recently browsing Instagram when I came across a post that Taylor Lorenz commented on. Her comment was essentially a plea for us not to collectively agree with Haidt’s argument, which she classifies as moral panic.
As I said—due to the nature of the Instagram platform (which is awful)—I couldn’t locate this post again, which I remember being from a news outlet. What struck me about this example was Taylor Lorenz’s comment and the responses people made to her comment… when I stopped to read the responses, one mother’s comment stood out. It went something like, “Taylor, I know your work and would like to learn more about this because I’m noticing this at home.” Like this, many other responses mentioned that people understood the journalist’s argument but were seeing that adolescents and children in their circles were showing mental health problems or difficulties, not to mention issues related to family dynamics impacted by mobile device use.
What the mother alludes to in her response to the journalist is the decline in young people’s mental health. This is something I’m also noticing in my circles. So, this is an important thing to consider (not just from these two examples, but from the overall context we live in). There are indications that the research mentioned or discussed by Jonathan Haidt may be weak for establishing the causal relationship he proposes in the book. Regarding this, I understand it is accurate.
On the other hand, it must be recognized that we are experiencing serious issues related to social media platforms primarily. These issues are related and have a direct impact on people’s mental health.
So, what I’m saying is that it would be very naive of us not to consider the context of conflict we collectively see, for example, since 2013 in Brazil, and which also gained global proportions in 2016 with the presidential elections in the United States due to electoral periods.
We see what happened in Brazil in 2013 and 2014, which was intense political mobilization through the instrumentalization of social media platforms, and how this brought much more serious collective consequences than just arguing with relatives in WhatsApp groups. Both in the 2018 election and during the pandemic, we suffered collective consequences and developments due to the use of social media platforms, their instrumentalization and political appropriation, and the influence of these platforms on collective behavior.
Therefore, I reiterate, it would be very naive of us to recognize this in collective behavior and political organization in society and collective movements and behaviors around ideological issues in society, and to separate other possible developments, considering that social media platforms do not influence adolescents’ and children’s mental health.
I think it is an absurd naivety and wonder to recognize how the use of platforms affects our collective behavior and influences political and electoral decisions but to separate the development of children, adolescents, and young adults from this context. We are observing this in the world around us, which is why I think we need to put Jonathan Haidt’s reading into perspective, looking at it critically, but also acknowledging that social media platforms and communication tools mediated by digital technologies do indeed cause social and individual changes.
Criticisms of what Jonathan Haidt writes should not seek to completely invalidate what he is documenting. What is necessary is to focus on the unfortunate attempt to establish a causal relationship. This is the real weak point of his argument. However, I do not believe that his considerations on the decline in adolescent mental health and its potential connection to social media are disconnected from reality.
I think it’s important to consider and take into account that impacts related to the use of interactive digital technologies by adolescents certainly exist. However, I also understand that we may not yet have developed the methodological tools necessary to analyze this.
In this sense, I believe that when we have the appropriate methodological apparatus to understand this relationship (social media use/smartphones and mental health), we will see results of this impact. I think we will see this impact manifest in the future.
So, these children who are growing up today with screens in front of their faces all the time and are being educated with TikTok and similar platforms will certainly show consequences of this in their futures. We just don’t yet have the necessary methodological tools to talk about or assess this impact now.
In this sense, it’s interesting to note that it is quite peculiar to look from the perspective of those who were adolescents in the 1980s/1990s and who are now researchers in universities; who had a formation as we were exposed to, and to see arguments that smartphones or social media do not impact adolescent mental health.
We cannot simply say that. Continuing with the techno-optimistic argument that there are no impacts is reckless because we are looking at the impact these elements have on our lives as adults, and the tangible real-world experience is showing us something different.
Finally, I think this note might be useful to organize the argument as follows: we should neither ignore nor dismiss the impact of today’s children and adolescents having their phones in their hands all the time. Declaring the absence of influence from the perspective of someone who has already been formed, who was educated with books and is now an adult, and despite having great difficulty, can identify that the phone needs to be turned off, is too naive. To look at adolescents who are exposed to screens all the hours they are awake and say that this will not impact their mental health is almost a joke.
Muito tem se falado sobre o livro “A geração ansiosa” do Jonathan Haidt. Eu mesmo falei sobre as ideias que o autor defende aqui e aqui. Sigo achando que o texto é bem importante e precisa ser trabalhado / discutido. É o que tento fazer neste post.
O livro figura entre os mais vendidos nas listas tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos desde o seu lançamento. Penso não ser por acaso. Quem está presente no processo de educação e formação de crianças, adolescentes e jovens adultos, tem percebido o impacto que as tecnologias digitais interativas tem proporcionado. Para o bem ou nem tanto.
Gostaria, dentro dessa proposta, de colocar o texto em pauta e falar sobre como ele está sendo tratado em alguns lugares que tenho visto / ouvido / lido. Peculiar que, pelo menos quatro pesquisadoras com produções bem sólidas e consistentes sobre o contexto digital e o comportamento e adolescentes tem colocado que as coisas que o autor fala em seu livro seriam puro pânico moral; minimizando os impactos colocados no livro referentes às mídias sociais e saúde mental – especialmente de adolescentes. Acho engraçado que parte dessas pesquisadoras têm tanta raiva parece do que está no livro dele que se recusam até a mencioná-lo pelo nome, mas fazem menção o tempo todo às colocações do livro e recentemente, elas se manifestaram em três podcasts diferentes sobre esse assunto, e isso é uma coisa bastante interessante de se perceber. Você pode ouvir estes episódios aqui, aqui, aqui e aqui. As pesquisadoras em questão são Candice Odgers, danah boyd, Alice Marwick e Devorah Heitner.
Já li um bocado de coisas escritas por todas estas autoras e uso com frequência textos escritos especialmente pela danah boyd e Alice Marwick em minhas aulas. O que elas falam tem grande peso e me ajudam bastante a entender o mundo e os impactos das tecnologias digitais interativas nas vidas de crianças e adolescentes. O que elas falam sobre o texto do Haidt precisa ser observado com atenção, porque há muitas críticas bem importantes a considerar.
Minha interpretação, no entanto, é a de que, apesar das críticas, o que Haidt trabalha em seu texto precisa ser assunto entre pais e educadores.
De fato, a gente tem que olhar as colocações do Jonathan Haidt em perspectiva e não colocar tudo o que está em seu livro como verdade absoluta ou mesmo entender que tem apenas o valor de face declarado por ele. A gente não deve fazer isso com nenhum texto de qualquer autor que seja, diga-se. No entanto, parte das críticas das autoras mencionadas acima se relaciona a relação de causa e efeito que o Jonathan Haidt coloca entre uso de mídia social e problemas de saúde mental em adolescentes. Tendo em vista esta relação que ele propõe entre o uso de plataformas sociais como causas de problemas observados na saúde mental de adolescentes, há que se compreender que, embora pareça ser evidente que existe uma relação, ela não necessariamente é de causa.
Vejam, temos – coletivamente – mais acesso a ferramentas, tratamentos, profissionais e demais aparatos de diagnóstico de saúde mental nos últimos anos. Isso, por si só, poderia ajudar a explicar o aumento de diagnóstico de condições relacionadas a piora de saúde mental das pessoas. No entanto, a gente precisa entender que as dinâmicas sociais são complexas e muitas coisas estão acontecendo ao mesmo tempo. O aumento de diagnósticos coincide com a adoção de plataformas sociais em larga escala, mas também coincide com uma série de outros acontecimentos globais (guerras, mudanças climáticas, conflitos de diferentes tipos, desigualdade social, injustiças de toda sorte… a lista não para).
Isso não quer dizer que não exista qualquer tipo de influência.
O que quero dizer aqui é que, embora seja um pouco inocente e presunçoso postular categoricamente que a causa dos problemas de saúde mental enfrentado por adolescentes seja as plataformas sociais ou mesmo a emergência e uso dos smartphones, não dá para negar que as plataformas sociais influenciam nossa saúde mental. Mais sobre isso adiante.
As principais críticas das autoras citadas sobre o trabalho do Jonathan Haidt vão direto no ponto de que a relação que ele estabelece de correlação e causalidade entre uso de mídias sociais e declínio na saúde mental das pessoas é fraca e não há evidências suficientes de que seja essa a causa do problema que temos visto (isso não é especulação) na saúde mental das pessoas; em especial de adolescentes. Mesmo levando em conta o cenário a partir de 2019, enfatizado pelo autor em seus argumentos. Evidentemente estas críticas são muito importantes e precisamos sempre tomar cuidado para que não deixemos que fatos A e B que acontecem em um mesmo período sejam entendidos como tendo uma relação de causa e consequência entre si.
Mas fato também é que precisamos sempre tentar compreender o cenário geral em que um determinado fato se encaixa. O que o Jonathan Haidt fala encontra bastante relação com o que as pessoas percebem no dia a dia. Não por acaso, como escrevi no começo do post, o livro dele tem sido muito lido mundo afora.
Quando comecei a escrever este texto no dia 09 de julho o livro era o segundo mais vendido na lista do The New York Times, estando na lista por 14 semanas. Entendo que essa reverberação existe porque quem está reverberando o que o autor fala no livro está vendo coisas acontecerem. E é por isso que penso que temos que conversar sobre o assunto do livro.
Para quem não teve a oportunidade de ler o livro ou o artigo que ajudou a lançar o livro publicado na revista The Atlantic, recomendo acompanhar a fala do autor apresentando o livro e suas ideias em um evento bem bacana do Center for Humane Technology. Você pode assistir esta fala aqui:
O argumento mais eloquente que vai além da questão das relações de causalidade indicado pelas quatro autoras que mencionei antes vem de pessoas que discutem os impactos das tecnologias digitais interativas em nossas vidas com uma perspectiva tecno-otimista. Entendo ser o caso da jornalista Taylor Lorenz, que tem um excelente podcast sobre cultura digital chamado “Power User“. Uma das falas referenciadas acima foi publicada no podcast dela, quando entrevistou a danah boyd.
Taylor frequentemente critica o texto de Haidt classificando-o como pânico moral (danah boyd faz o mesmo). Recomendo em especial este vídeo da Taylor Lorenz sobre o assunto para ajudar a construir uma reflexão sobre o assunto:
Infelizmente uma coisa que penso ser importante para ajudar no contexto aqui não é possível replicar. Recentemente estava navegando pelo Instagram quando me foi recomendada uma postagem que a Taylor Lorenz comentou. O comentário dela foi justamente um grito para que não concordemos coletivamente com o argumento de Haidt sobre o que ela qualifica como panico moral.
Como disse – por causa da natureza da plataforma Instagram (que é um lixo) – eu não consegui localizar novamente esta postagem que lembro-me apenas ser de um veículo de notícia. O que me marcou nesse exemplo foi o comentário da Taylor Lorenz e as respostas que pessoas colocaram ao comentário dela… quando parei para ler as respostas das pessoas sobre o que ela havia comentado, chama atenção o que uma mãe falou para ela. Era mais ou menos assim “Taylor, conheço seu trabalho e gostaria de saber mais sobre isso, porque eu estou percebendo isso na minha casa”. Como esta, várias outras respostas mencionavam este aspecto de que as pessoas entendiam o argumento da jornalista, mas estavam percebendo justamente que os adolescentes e crianças de seu convívio demonstravam problemas ou dificuldades relacionadas a saúde mental, sem mencionar as questões relacionadas às dinâmicas familiares impactadas pelo uso de dispositivos móveis.
O isso que a mãe faz alusão na resposta à jornalista é o definhamento da saúde mental de jovens. É o que eu estou percebendo também em meus círculos. Então isso é uma coisa importante de levar em consideração (não apenas por estes dois exemplos, mas pelo contexto geral que vivemos). Há indícios de que as pesquisas faladas ou mencionadas pelo Jonathan Haidt sejam fracas para que se estabeleça a relação de causalidade que ele estabelece no livro. Quanto a isso, entendo ser algo acertado.
Por outro lado, há de se perceber que estamos vivenciando questões graves relacionadas às mídias sociais às plataformas sociais principalmente. Estas questões se relacionam e têm impacto direto na saúde mental das pessoas.
Então, o que quero dizer é que vai ser muito inocente de nossa parte não considerar o contexto de conflito a gente coletivamente vê, por exemplo, desde 2013 no Brasil e que, também em virtude de período eleitoral, ganhou proporcóes mundiais em 2016 com as eleições presidenciais nos Estados Unidos.
A gente vê o que aconteceu aqui no Brasil em 2013 e 2014, que foi uma intensa movimentação política a partir da instrumentalização das plataformas sociais e como isso foi trabalhado trazendo consequências coletivas muito mais graves do que apenas brigarmos com parentes em grupos de WhatsApp. Tanto na eleição de 2018 quanto durante o período de pandemia a gente sofreu coletivamente consequências e desdobramentos que se deram em função do uso das plataformas sociais, da sua instrumentalização e apropriação política e da influência dessas plataformas no comportamento coletivo.
Portanto, reforço, vai ser muito inocente da nossa parte perceber isso no comportamento coletivo e organização política da sociedade e movimentação coletiva e comportamentos em volta de questões ideológicas na sociedade e separar outros possíveis desdobramentos, ponderando que as plataformas sociais não influenciam a saúde mental dos adolescentes e crianças.
Penso ser de uma inocência e deslumbre absurdos a gente perceber como o uso das plataformas afetas nosso coomportamento coletivo e influencia decisões políticas e eleitorais mas separar o desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens adultos desse contexto. Estamos percebendo isso no mundo ao nosso redor, por isso penso que precisamos, claro, colocar essa leitura do Jonathan Haidt em perspectiva, olhando com o olhar crítico, mas também ter em conta que as plataformas sociais e os instrumentos de comunicação mediados por tecnologias digitais que temos usado proporcionam sim alterações sociais e individuais.
As críticas ao que Jonathan Haidt escreve não devem buscar invalidar por completo o que ele está registrando. Acho que necessário é focar na tentativa infeliz de estabelecer relação de causa e consequência. Este é o ponto realmente fraco de seu argumento. Entretanto, não creio que as considerações que ele faz sobre o definhamento da saúde mental de adolescentes e sua eventual relação com as mídias sociais sejam algo desprovido de conexão com a realidade.
Penso ser importante considerar e levar em conta que impactos referentes ao uso de tecnologias digitais interativas por adolescentes certamente existem. No entanto, entendo também que talvez não tenhamos desenvolvido ainda o instrumental metodológico necessário para poder fazer essa análise.
Nesse sentido, eu entendo que, quando o aparato metodológico apropriado para enxergar esta relação (uso de mídias sociais / smartphones e saúde mental) a gente vai ver resultados desse impacto. Penso que veremos a manifestação desse impacto no futuro.
Então, essas crianças que estão se desenvolvendo hoje com a tela na frente dos seus rostos o tempo todo que elas estão crescendo e sendo alfabetizadas com o TikTok e congêneres, certamente apresentarão consequências disso em seus futuros. Apenas não temos ainda o instrumental metodológico necessário para falar ou para avaliar esse impacto agora.
Nesse sentido, interessante registrar que é bastante peculiar olhar com o olhar da formação que tivemos (pessoas que foram adolescentes nos anos 1980/1990) e que somos hoje os pesquisadores nas universidades; que tivemos uma formação como à que fomos expostos e ver argumentos de que o smartphone ou as mídias sociais não proporcionam um impacto na saúde mental do adolescente.
Nós não podemos simplesmente falar isso. Seguir com a argumentação tecno-otimista de que não há impactos é leviano porque estamos olhando o impacto que estes elementos tem na nossa vida como adultos e a experiência real do mundo palpável está nos mostrando / evidenciando outra coisa.
Por fim, penso que essa nota poderá ser útil pra organizar o argumento no seguinte sentido: não devemos nem podemos olhar a criança de hoje e falar que ela ou o adolescente com o celular em mãos o tempo todo não recebem impacto dessas tecnologias e das mídias sociais em suas formações. Declarar a ausência de influência com o olhar de quem já é formado, de quem foi formado com livros e que hoje é adulto, e, apesar de ter muita dificuldade, consegue identificar que o telefone precisa ficar desligado, por exemplo, é inocente demais. Olhar o adolescente que hoje fica exposto a telas durante todas as horas que está acordado e falar que isso não vai ter impacto em sua saúde mental é quase uma piada.