Desde 2019 eu venho testando diferentes bancos. A insatisfação com a instituição que eu estava usando há anos havia crescido tanto que eu, naquele momento, decidi fechar a conta e testar novas soluções. A portabilidade bancária é uma coisa libertadora.
A facilidade de abrir (e fechar) uma conta por um aplicativo ajuda muito no processo de pesquisa e definição de uma instituição bancária a usar. Mesmo que seja muito simples fazer todo o processo, entendo que o ideal é desenvolver uma relação mais duradoura com uma instituição bancária.
Eu testei e tenho testado alguns bancos ao longo destes anos. Já usei vários, mas acabei estacionando em uma instituição das mais tradicionais; daqueles bancos que tem agência. 🙂
Só que eu mantenho uma conta com apenas alguns centavos no Banco Inter pelos motivos mais preguiçosos:
shellbox
estacionamento rotativo
Há algumas semanas tenho me pegado pensando em como me desvencilhar dessa preguiça. Uma coisa me incomoda bastante e está ficando insustentável.
O aplicativo do banco Inter tem uma porção da tela mostrando postagens de pessoas e entidades ligadas ao banco e seus proprietários/controladores. Não há como desabilitar isso. O serviço se chama “Forum Inter”. Pessoal pegando pesado no esforço de influenciar os correntistas.
Eu consigo reconhecer algumas pessoas pelo nome, mas não sei quem são as outras. Imagino que sejam pessoas importantes do banco. Mas o fato é que isso pouco me interessa. Pouco me importa se eles são os donos da CNN ou se têm alguma opinião sobre o Clube Atlético Mineiro. Eu abri este aplicativo para fazer um pix.
Não quero uma dica de clube de investimento e nem saber qual foi o faturamento do banco no último trimestre. Como eu disse, eu quero fazer um pix.
Eu entendo ser este um “produto” que o banco usa para falar de si mesmo, das coisas que se relacionam com o banco e até acato a proposta de uma comunicação direta com o consumidor. Mas…
…tem três coisas que me incomodam profundamente nisso.
A primeira delas é que eu não pedi e nem permiti isso. Como consumidor de um serviço, sinto-me com o poder de escolher o que quero e o que não quero. Isso apareceu pra mim sem que eu quisesse ou solicitasse. Não é uma funcionalidade do serviço bancário e nem nada relacionado a uma. Nesse sentido, sinto-me desconfortável com aquilo na tela.
Eu não pedi e muito menos confio na capacidade de curadoria de conteúdo em forma de postagens curtas (à la twitter) de um banco. O espaço do aplicativo do banco é o espaço de realizar os serviços relacionados à minha vida financeira. E pronto. Este é o tipo de aplicativo que a gente abre, executa o que precisa e fecha. Não quero nenhum outro tipo de distração nesse processo.
A segunda coisa é a falta de controle. Vamos que o banco não abra mão dessa ferramenta. Como ela não é relacionada às transações que eu faço no aplicativo eu poderia simplesmente remover aquilo da minha interface.
Sendo esta porção da tela referente a algo que não é um serviço oferecido pelo banco, eu gostaria de poder simplesmente eliminar aquilo da interface. Mesmo que o banco ache isso a coisa mais legal em termos de comunicação, eu gostaria de poder remover aquilo. Falando em termos de experiência do usuário, esta porção da tela me mostra uma informação que eu não quero e nem pedi para ver. Não é algo relacionado ao serviço oferecido pela instituição; tratase de uma coisa totalmente secundária. Entendo que se houvesse um botão de “remover isso” eu não seria a única pessoa a apertá-lo.
A terceira coisa que me incomoda é o fato de este espaço poder ser usado para um tipo de comunicação e espalhamento de informações que não necessariamente servirão ao meu propósito como consumidor do serviço dessa instituição. Pelo contrário.
Quem diabos é Bernardo Pascowitch e porque o que ele está falando sobre Bitcoin está aparecendo na tela do meu aplicativo de banco quando eu quero apenas fazer um pix?
Quando você não está pagando por alguma coisa, você é o produto
Talvez das três coisas que eu falei acima, a terceira é a que mais me incomoda porque é algo que vai muito além da experiência ao usar um aplicativo. Os impactos podem ser muito mais profundos e marcantes. As consequências podem ser muito mais danosas.
Pensemos que o banco Inter tem mais de 34 milhões de clientes. São 34 milhões de pessoas que abrem este aplicativo quase que diariamente ou às vezes múltiplas vezes ao dia. Cada vez que cada um desses clientes abre o aplicativo, o banco (ou seus controladores) têm a oportunidade de “falar algo” para estas pessoas.
A CNN Brasil, outra empresa que os donos do Inter tem, é uma emissora de televisão que está 24 horas por dia no ar e não tem essa audiência.
Pensemos o que pode ser feito com uma audiência desse tamanho. No caso da imagem que eu coloquei acima, uma pessoa falando sobre Bitcoin tem uma audiência potencial compulsória de 34 milhões de pessoas.
Não é uma pessoa qualquer e muito menos é alguém que eu escolhi acompanhar ou mesmo querer saber o que pensa sobre Bitcoin. Alguém escolheu isso pra mim e está me forçando a ver isso na tela do aplicativo de banco que eu abri quando queria apenas fazer um pix.
O tal Bernardo não é uma pessoa qualquer. O que ele fala traz uma agenda. Não necessariamente é a minha agenda. E é aí que mora o perigo. Ele e todos os outros que aparecem ali são pessoas com várias intenções e as 34 milhões de pessoas que estão potencialmente vendo estas postagens não fazem a menor ideia de quais são essas intenções.
Colocar uma ferramenta/funcionalidade/seção como essa num aplicativo de banco não é algo que acontece por acaso. Não é um tiro no escuro. É algo pensado e planejado e leva em conta (dentre várias outras coisas) o fato de 34 milhões de pessoas potencialmente verem aquelas mensagens diariamente.
Pensando nas potenciais consequências e desdobramentos disso me faz chegar à conclusão de que oferecer serviço bancário gratuito é um baita investimento para o Inter.
Ontem, dia 22 de outubro, a Meta (anteriormente conhecida como Facebook) começou a integrar umaferramenta dessas que estamos convencionando chamar de IA nos grupos do WhatsApp [1].
Ao que tudo indica, chegou a hora de a empresa coletar os dividendos resultantes do investimento feito em quando pagou 22 bilhoes de dolares pelo aplicativo de mensagens em 2014 [2].
Para fins de referência, a Meta pagou um bilhão de dólares pelo Instagram em 2012 [3]. Hoje, 12 anos depois, o Instagram proporciona à meta quase 50 bilhoes de dólares em lucro anual [4].
Era, portanto, de se esperar que a empresa estivesse investindo pesado em formas de lucrar com a compra do WhatsApp. Como comecei falando, parece que este momento chegou.
O potencial sempre foi alto (acho que isso fica claro ao observar o intervalo de tempo entre a compra do Instagram e a compra do WhatsApp e a diferença dos valores pagos pelos dois produtos). Apesar disso, até hoje o WhatsApp não mostrava números de faturamento muito convincentes.
Ainda assim, a empresa sempre apostou muito no aplicativo.
O motivo disso é bem claro: as informações que são trocadas dentro do ambiente do WhatsApp são valiosíssimas. É no WhatsApp que as pessoas vão trocar confidências com quem não está perto. É por ali que você e as pessoas com quem você tem intimidade vão conversar sobre coisas que não querem que o resto do mundo fique sabendo. São em diversos grupos de mensagens privados que funcionários agilizam a execução de tarefas e conversam sobre o trabalho em inúmeras empresas ao redor do mundo. O potencial deste mundo de informações é virtualmente ilimitado. Por isso que quase ninguém estrenhou que por dez anos o aplicativo seguiu gratuiito e gerando muito pouco em faturamento para o Facebook / Meta.
Dados de 2023 mostram que naquele ano, o WhatsApp gerou perto de 1.3 bilhão em lucro [5 ].
Voltando às comparações, isso é quase 50 vezes menos que o Instagram gerou em lucro no mesmo ano. Observando essa diferença e aquela outra referente a quanto cada um dos produtos custou, é de se esperar que a fome da Meta seja grande. Os acionistas devem estar mais do que ansiosos para ver o dinheiro começar a entrar de verdade em retorno pela compra do aplicativo dez anos atrás.
Com as ferramentas de aprendizado em larga escala, chegou a hora da colheita.
Mas aqui cabe um parênteses. Estou falando dessa forma, com a perspectiva de retorno efetivo de investimento começando a acontcer agora em função dos números reportados pelo Facebook / Meta. Há quem pense e insinue que ações de publicidade altamente direcionada no Instagram já estejam usando dados obtidos em conversas no WhatsApp há tempos [6].
Então… a ferramenta de IA no WhatsApp foi anunciada esta semana.
Desde ontem, para mim, os grupos dos quais participo agora tem um membro a mais, a IA da Meta. Isso não parece estar ainda 100% claro para todo mundo. Em meu caso, eu uso o WhatsApp no iPhone e no computador, versão web. Como na versão da web as coisas demoram a aparecer, não é de se estranhar que nada apareça lá durante os próximos dias ou mesmo semanas. No entanto, também não consigo ver nada de forma muito clara no aplicativo de meu telefone. A única coisa que percebo é essa diferença de uma unidade entre o número de pessoas declaradamente presentes num grupo e o numero de usuários que eu conto no grupo. Tem sobrado uma pessoa (a IA da Meta). Ontem, em um dos grupos que participo, algumas pessoas ficaram “conversando” com essa IA. A ferramenta argumenta que basta que retiremos este membro do grupo para que o recurso de IA nao seja usado.
Só que as coisas não são bem assim.
O fato de a empresa ter inserido um componente no grupo a revelia dos participantes é complicado.
Outra coisa a considerar é a assimeteia de poder, muito bem argumentada pela Cathy O’Neil no livro Weapons of math destruction [7]. Quando nós (pessoas) entramos em um grupo de WhatsApp, não temos acesso ao que foi discutido antes de nossa entrada lá. Faz sentido. No emtanto, não sabemos se o mesmo acontece com esta IA da Meta. Da mesma forma que ela guarda em seus servidores todo o histórico das conversas, por qual motivo não daria acesso a esse histórico para a sua ferramenta de aprendizado de máquina? Por via das dúvidas, devemos considerar que esta ferramenta terá acesso a todo o histórico de conversas do grupo. Como disse, por quê ela não teria?
A Meta / Facebook já nos deu mais do que uma vez provas de que não faz exatamente o que fala que faz; lembra do caso do advogado belga retratado no filme “terms and conditions may apply” [8]? Então, mesmo que o dono de um grupo não queira esta funcionalidade e retire a IA, não há qualquer garantia de que todas as conversas anteriores já não tenham sido coletadas e agora abasteçam o aprendizado e os bancos da Meta / Facebook.
Isso é muito grave.
Com os dados de um sem numero de grupos e conversas, a empresa tem em suas mãos uma quantidade de informações inimaginável.
Ações de publicidade altamente direcionada no Instagram e no Facebook é o minimo que podemos esperar como consequência disso.
Entretanto penso que a coisa seja ainda mais grave e o buraco seja ainda mais profundo.
Pense na quntidade de grupos que você participa referentes a trabalho. Se voce trabalha em uma empresa com mais de 50 funcionarios, chances são que muita coisa da gestão da empresa aconteça justamente ali naquela plataforma. Pense nos grupos que envolvem os seus chefes. Pense nos grupos que envolvem os diretores da empresa; os tomadores de decisões.
Tudo o que eles disseram está abastecendo a IA da Meta e não há quem me prove que a Meta já não esteja fazendo isso.
O problema é que agora ficou público; talvez porque verdadeiramente tenha chegado o momento de coletar o retorno pelos 22 bilhões de dólares investidos em 2014.
Então, tão importantes quanto nossos dados e mensagens individuais, pensemos no impacto dessa ferramenta ter acesso a informações da gestão de milhares de empresas. Pense que os gestores, diretores e executivos conversam sobre assuntos delicados nesse aplicativo e a Meta agora formalmente sabe de tudo. No mínimo, saberá de tudo a partir de agora (pisca, pisca).
Tendo conhecimento do histórico e da falta de cuidado que a empresa tem com as informações que coleta, isso e assustador [9].
Não que ela não coletasse dados antes. Isso é bem possível e plausível, visto que ter inserido um novo membro nos grupos sem que ninguém fosse consultado é um indicativo de um comportamento altamente invasivo.
Reforçando, o que é grave neste momento é que isso está às claras.
Ou seja: é bem possivel que dados estejam sendo coletados há um bom tempo.
Mas, então, o quê fazer?
Tão certo quanto o desrespeito à privacidade por parte da Meta é saber que veremos muitos argumentos do tipo “Mas o WhatsApp já sabe de tudo mesmo, que mal faz?!”. Ou então a argumentação de que “já está tudo lá mesmo, não há o que fazer!”. Estes argumentos são preguiçosos e sabemos disso. Devemos lutar contra eles com contra-argumentos coerentes.
Pensemos nessa situação e sua analogia com a de uma pessoa que fuma há alguns anos e descobre um efizema pulmonar. Será que essa pessoa vai reagir com um “Ah, mas agora já estou com este efizema, não preciso parar de fumar!” ou será que ela é aconselhada pelo seu médico a parar de fumar em função disso? Eu acho que a segunda possibilidade é mais plausível. Se a pessoa quer manter-se viva, o ideal é que ela pare de fumar. Não é? Pelo menos é a mudança de atitude esperada. Sabemos já haver um dano, mas isso não significa que porque este dano ja esteja feito que nao exista mais solução. A solucao é parar de fumar.
Outro exemplo: uma pessoa que nunca cuidou da alimentação pode descobrir que tem diabetes antes dos 50 anos. O comportamento esperado é que exista uma mudança de hábitos para tentar parar o avanco da doença. Se a pessoa continuar com estes hábitos, as consequências podem ser a cegueira e amputação de membros. Nesse sentido, pessoas que descobrem que tem diabetes costumam mudar comportamentos.
Então. Tal qual uma pessoa que descobriu um efizema ou recebeu o diagnóstico de diabetes, devemos mudar de atitude. Meu argumento é que devamos evidenciar essa necessidade para todos. Por isso estou aqui.
O tempo que usamos esta plataforma causou um dano. A aplicação dessa IA nos chats é um sinal desse dano. Este dano pode não ser visível agora, mas sabemos que ele vai nos causar problemas em breve se seguirmos com este comportamento. A solução é mudar de comportamento.
Feito o dano, não quer dizer que esteja tudo perdido. A gente deve – como pessoas responsaveis – agir ativamente para impedir que o dano continue / aumente ou nos traga mais prejuízo.
Por isso, o que tem pra hoje é que a gente deve mudar de hábitos. Minha sugestão para o momento é usar o Signal [10].
Você pode ter dificuldade em convencer algumas pessoas, clientes ou colegas de trabalho, mas não deve deixar de tentar. Mude o que conseguir mudar para o Signal.
Provável que você tenha ido dormir tarde na noite de ontem e acordou cedo hoje cansado. Provável que você esteja acordado além da hora que deveria ter ido pra cama. Amanhã vai acordar cansado. Estas generalizações que estou fazendo tem um motivo e uma explicação. Mais sobre isso adiante.
A gente vai para a cama cansado, acorda cansado, passa o dia inteiro cansado sem parar de trabalhar, estudar, enfim. Estamos o tempo todo cansados e com a impressão de que as coisas a fazer nunca acabam.
Quando a gente deita a cabeça no travesseiro, não consegue escapar daquele sentimento de culpa de que o dia rendeu menos do que deveria ter rendido. Fizemos menos do que deveríamos ter feito.
Poderia ser só isso, mas além do cansaço que sentimos constantemente e do sentimento de que deveríamos ter feito mais, há também um sentimento de tédio; de que nada é o suficiente. De que não estamos aproveitando os nossos dias com atividades entusiasmantes. Este é um sentimento de tédio do pior tipo possível. Isso porque nos incapacita, nos paralisa. Há um outro tipo de tédio que, paradoxalmente é muito benéfico para a gente e que a gente não tem experimentado há tempos.
Isso não acontece só com você. Está generalizado. É a sociedade do cansaço que o Byung-Chul Han fala. Se você ainda não leu este livro, eu recomendo fortemente que você leia. Ele faz parte de um conjunto de publicações que apresentam reflexões sobre como estamos coletivamente detonando nossas vidas sem percebermos. Mais sobre outros livros depois.
Agora eu quero me dedicar a falar com você sobre essa sensação que você (e eu) temos o tempo todo. Esta percepção de que a gente não está fazendo o suficiente e, ainda assim, não paramos de trabalhar. Como pode isso?
Bem, eu entendo que há uma relação íntima entre este estado mental de cansaço e frustração contínua que vivemos e nossa relação com as plataformas sociais. Os autores que vou recomendar a você ao longo desta fala de hoje me ajudam a construir esta argumentação. Vamos lá.
Uma coisa bem importante que a gente vive na sociedade atual é a superexposição à informação. Somos alertados o tempo todo de que algo novo aconteceu. Quase a totalidade dos aplicativos instalados em nossos telefones nos enviam alertas diários. Às vezes múltiplas mensagens nos falando que algo requer nossa atenção.
A gente já se acostumou com isso e aprendeu a conviver com as constantes interrupções que os alertas proporcionam. A gente é o tempo todo interrompido por algo que pode ser importante e nos notifica com um barulho que demanda uma ação imediata.
O Byung-Chul Han faz referência ao tempo que vivemos como sendo um período em que a gente precisa ser muito produtivo. Paradoxalmente a produtividade é inimiga das interrupções. Então quando a gente precisa fazer alguma coisa, preferiria não ser interrompido, né? Só que as outras pessoas não estão pensando nisso e nos mandam mensagens constantemente. Além disso os aplicativos que usamos notam a nossa ausência e demandam nossa atenção com alertas informando que algo importante aconteceu e você precisa saber.
Isso arrebenta com a nossa capacidade de produzir algo mais elaborado ou engajar em uma tarefa mais longa. O Cal Newport fala bastante sobre isso no seu livro chamado Trabalho Focado. Para ele a gente precisa de períodos sem interrupção para podermos realizar tarefas que demandam mais de nossa capacidade intelectual. Quanto mais fragmentamos nosso tempo por causa das interrupções, mais prejudicado é o nosso rendimento ou aprendizado.
Então a gente tenta se acostumar com os constantes alertas que se colocam pra gente e vai se virando com a nossa produtividade comprometida. Claro que isso nos deixa num estado de constante tensão. Não adianta ignorar que uma mensagem chegou e continuar com a sua tarefa. O fato de ter uma mensagem lá te esperando é o suficiente para t desconcentrar em sua tarefa e você vai ficar matutando o que pode ser que precisa de sua atenção.
Ou seja: uma coisa é a nossa necessidade (ou exigência coletiva introjetada em cada indivíduo) de sermos produtivos e a outra são as constantes interrupções que nos sujeitamos. Uma vai contra a outra mas elas se encaixam perfeitamente em nossa sociedade contemporânea.
Se ao menos a gente conseguisse lidar com a espera pela resposta a uma mensagem, né? Mas outro autor, que é o Christoph Turcke nos fala no livro Hiperativos que, à medida em que mudamos as nossas relações com o consumo de informações e mídia, mudamos a forma com a qual esperamos que várias outras coisas em nossas vidas aconteçam também. Para o Turcke, no contexto anterior, em que a gente era obrigado a esperar uma semana para ver um novo episódio de uma série ou então o tempo que a gente tinha que esperar para o filme de uma máquina fotográfica acabar e só aí podermos levar a uma loja para revelar aquele negativo e ampliá-lo para vermos as fotos que tiramos fazia bem pra gente. Ensinava a gente a lidar com a espera. Nesse mesmo contexto a gente não estava disponível o tempo todo para conversar com quem quer que fosse. Houve uma época em que você ligava para a casa de uma pessoa e, se ela não estivesse lá, você deixava um recado e precisava agora esperar a pessoa voltar e decidir te ligar de volta. Só assim vocês conseguiriam conversar. O mesmo acontecia no contexto do trabalho.
Só que agora estamos disponíveis o tempo todo. E queremos que todos estejam disponíveis para nos atender instantaneamente. Nossa paciência e capacidade de esperarmos foi pro beleléu. A gente quer tudo para agora. Fica furioso quando alguém desliga o recibo de leitura no WhatsApp e fica chateado quando demoram a nos responder.
O Cristoph Turcke fala que isso prejudica bastante a nossa capacidade de aprender porque a gente se acostumou a ter tudo o que solicitamos instantaneamente à nossa disposição. Assim a gente acaba não refletindo sobre o que consome. Não há um tempo para digerir nenhuma informação.
Quando você termina de assistir um vídeo no YouTube ou no Netflix, as plataformas apresentam uma contagem regressiva indicando que o próximo conteúdo vai começar. A gente nem tem tempo de pensar sobre o que acabamos de assistir. A gente nem quer pensar. A gente se acostumou a não pensar. A gente só quer o próximo conteúdo agora. A gente só quer ser respondido imediatamente. A gente só precisa não parar de trabalhar para responder e atender a todas as demandas que a gente recebe ao longo do dia. Sem pensar.
Por isso que quando a gente deita a cabeça no travesseiro à noite, fica com a sensação de que nada foi feito. Porque de verdade a gente fez pouca coisa mesmo. A gente apenas reagiu. Executou. Atendeu. A gente pouco pensou. Daí o trabalho acumula para o dia seguinte porque todos os outros esperam da gente um rendimento maior e a gente segue nessa rotina de cobrar e sermos exigidos numa roda de santa catarina que jamais para. Que coincidência engraçada este nome, né?
Enfim. Este constante estado de alerta, associado com a necessidade de produtividade e a frustração de não ter dado conta daquilo que a gente tinha que fazer deixam a gente no estado de burnout que o Byung-Chul Han fala em seu livro. Voltamos a ele.
Como eu falei há pouco, há uma relação muito próxima entre estes sentimentos e nossos hábitos de consumo de informações em mídias sociais. A gente precisa estar o tempo todo de olho no que os outros postaram. Afinal, podemos estar perdendo algo. As pessoas esperam isso de nós. A gente precisa postar sempre. A gente precisa participar. A gente precisa produzir conteúdo.
A gente precisa produzir e publicar o conteúdo que produzimos porque a gente tem a pressão coletiva de mostrar a que veio. A gente precisa dizer para todo mundo que a gente sabe muito de algo. Profissionais de várias áreas de atuação se veem forçados agora a também se transformarem em pessoas de influência em seus campos de atuação. Certa vez eu tive um aluno que me falou que viajaria para São Paulo para ter uma consulta com um nutrólogo. Perguntei a ele: “mas por qual motivo ser atendido por um nutrólogo de São Paulo? Aqui em BH não tem nutrólogos bons?” Ele me respondeu: “Mas este não é de São Paulo. Ele é de Curitiba. Está indo para São Paulo apenas para atender alguns seguidores por um dia apenas”. “Seguidores?” Perguntei. O aluno me disse que o nutrólogo era bom porque tinha mais de 100 mil seguidores no Instagram.
Ou seja: que desgraça a vida do profissional de saúde, do arquiteto, do advogado, do engenheiro, do mecânico de automóveis que agora, além de ter que ser bom para conseguir clientes, precisa fazer sucesso na mídia social para poder ter a validação de que é bom e conseguir por ali os clientes.
O nutrólogo, o arquiteto, o mecânico de automóveis agora precisam encaixar em suas rotinas diárias de trabalho o tempo necessário para produzirem conteúdo que seja bom o suficiente para que eles obtenham destaque no Instagram.
Está percebendo onde eu estou querendo chegar?
A gente (coletivamente) agora, cada um em sua área de atuação, está trabalhando muito mais porque também – para além de todas as nossas atribuições diárias – precisamos arranjar um tempo para “produzir conteúdo” e mostrar para o mundo que somos bons em alguma coisa. Para quem não faz isso resta aquele sentimento de que está aquém ou de que não é simplesmente bom em nada.
Claro que estou hiperbolizando aqui, mas a sensação coletiva é essa. Sobre este tipo de generalização, já falei antes e repito agora: mais adiante eu abordo isso, calma.
As plataformas sociais algoritmicamente manipuladas carregam parte da responsabilidade por nos sentirmos assim. Estes espaços se transformaram em verdadeiros campeonatos de popularidade. A lógica algorítmica das plataformas de impulsionarem (ou mesmo mostrarem) conteúdos que entendem gerar “engajamento” faz com que todo mundo se comporte como se uma marca fosse. A gente se esquece de ser pessoas quando o imperativo do engajamento algorítmico opera.
Então agora a gente tem pessoas que passam boa parte de seus dias produzindo um conteúdo sobre algo que às vezes pouco conhecem para parecerem especialistas numa área. Este conteúdo vai ser exibido para outras pessoas que, por saberem menos ainda sobre aquele assunto, vão achar que aquilo é verdade; afinal, um especialista com sei lá quantos mil seguidores no Instagram falou. Então deve ser verdade, né? Do contrário, este especialista não teria este tanto de seguidores.
Sofre a pressão de ter que produzir constantemente o profissional que precisa mostrar seu trabalho nessa vitrine injusta. Ela é injusta porque não são claros para quem produz e muito menos para quem consome o conteúdo, quais são os critérios e qual é a lógica que opera na circulação desse material. O que entendemos (ou nos cabe entender) é que quem fala quão alto devemos dar nossos pulos é a plataforma. Ela não se incomoda em nos dizer o motivo de pularmos. Sofre a pessoa que vê o conteúdo e não sabe o que fazer com ele, sentindo-se aquém de suas possibilidades. Sofre aquele que não dá conta de produzir e acha que algo está faltando.
Sofremos todos e recorremos às plataformas algoritmicamente manipuladas em busca de algo que nos mostre um caminho. Mas o que vemos é apenas mais postagens de especialistas e, claro, anúncios. Esta é a Sociedade da Transparência, que é outro livro do Byung-Chul Han. Neste ensaio o filósofo nos apresenta questões decorrentes da nossa presença exacerbada nas plataformas sociais e as suas implicações para as nossas vidas. A perda do segredo e o desaparecimento do encanto da descoberta conjunta se revelam constantes nos nossos dias. Aquilo que se mostra um imperativo num momento (ou seja: devemos nos mostrar; falarmos nas plataformas sobre as nossas capacidades) é extrapolado organicamente em nossos comportamentos cotidianos. Acabamos, coletivamente, por transpor para as plataformas sociais todos os aspectos de nossas rotinas, sendo este um outro imperativo consequente: todo mundo falando de tudo sobre suas vidas e tendo todo mundo como plateia.
Sobre isso há uma série de desdobramentos sérios a considerar. Byung-Chul Han nos fala de consequências imediatas relacionadas às maneiras pelas quais nos relacionamos uns com os outros. O autor enfatiza a questão da perda do encantamento em uma comparação que eu acho ser muito legal com a pornografia. O jeito como escancaramos as nossas vidas pessoais nas plataformas sociais é pornográfico porque desvela nossas vidas a uma plateia que consome tudo isso num processo de prática vigília. Nesse ponto, Han fala que o panóptico foi substituído por um contexto em que cada prisioneiro vigia o outro. Não precisa (embora ela exista) existir mais uma entidade centralizada que observa a todos. Agora todos estamos observando uns aos outros.
Para além dessas consequências que Han fala no Sociedade da Transparência, entendo haver outras que se relacionam ao que Frances Haugen tornou público em 2021. As dinâmicas de uso das plataformas sociais algoritmicamente manipuladas podem proporcionar danos à saúde mental das pessoas. As plataformas sabem disso, mas nada fazem. Ou melhor, atuam para que isso não apareça de maneira tão proeminente. Para elas, está tudo bem. Castells já indicava serem as plataformas (ou nas palavras dele, operadores das redes) novos detentores de grande poder neste contexto híbrido de comunicação em rede. E olha que ele falou isso no livro O poder da comunicação, que é de 2016 em sua edição traduzida.
E pra onde isso nos leva? A rotina e a dinâmica que nos impomos como sociedade nos leva a esse estado que iniciei comentando na fala de hoje. É o esgotamento da sociedade do cansaço. Mas existem ainda algumas coisas que gostaria de falar.
O processo de pesquisa acadêmica é moroso e doloroso. Não é rápido aprender conceitos e fazer pesquisa. Uma das coisas que aprendemos neste caminho é que a gente precisa ver pluralidade de interpretações de conceitos para entender mais aprofundadamente o que algo quer dizer e como este algo se relaciona com aquilo que estamos construindo como nosso aprendizado. Por qual motivo trago isso agora? Porque esta coisa da pluralidade das interpretações é chave tanto no processo de formação quanto na nossa vivência no dia a dia nas plataformas sociais.
Voltemos à roda de Santa Catarina. Especificamente à parte em que nos sentimos frustrados ao vermos os conteúdos que aparecem para a gente sugeridos pelos algoritmos das plataformas sociais comerciais.
Eventualmente a gente é apresentado a conteúdos que não domina ou que na verdade nem sabia que existiam. Estes conteúdos são produzidos por pessoas das mais diversas origens e formações. São pessoas que não necessariamente conhecemos e que nos apresentam coisas dizendo que aquilo é verdade, que é confiável e que elas são especialistas naqueles assuntos. Estas são as pessoas das quais falei há pouco. É o nutrólogo, o Arquiteto e o Mecânico que estão em busca de consolidar-se como pessoas influentes ou de referência em suas áreas.
Pois bem, a gente não conhece estas pessoas e nem sabe se o que elas estão falando é verdade. Mas a gente é humano e os humanos consideram inicialmente como verdade aquilo que lhes é apresentado, via de regra. Essa coisa de considerarmos inicialmente aquilo que ouvimos, lemos ou vemos dos outros como verdade é algo que nos ajuda, inclusive, a entender o espalhamento de desinformação. Mas sobre isso vou me dedicar a falar em outra ocasião. Por agora, o que é importante é juntarmos duas coisas que ainda estão perdidas nesta fala de hoje. A primeira é que a gente tende a generalizar coisas a partir de experiências individuais que temos. Lá no começo da fala eu faço uma generalização, apresentando um pressuposto baseado em minha experiência pessoal. Isso é bem comum de acontecer. Quando a gente não conhece muito sobre outras experiências em um determinado campo ou assunto, tendemos a pensar que todas as vivências relacionadas no mundo serão da mesma forma. Por exemplo: se você teve uma péssima experiência com um som da marca CCE, você vai tender a achar que todos os aparelhos dessa marca são ruins.
Este tipo de generalização a partir de experiência pessoal, como é possível antecipar, não tem muita fundamentação ou validade, né? Só que é difícil a gente levar isso em conta enquanto está rolando o feed do Instagram. Por isso que é fácil a gente acabar sentindo que está fazendo algo errado, ou que não está fazendo o que deveria fazer ou mesmo que está aquém em suas realizações quando a gente vê uma pessoa nas plataformas sociais com uma performance que a gente não está conseguindo ter. Isso pode te levar a interpretar as suas próprias realizações de um jeito muito ruim. Em primeiro lugar porque tal qual a facilidade de generalizar a partir de experiências pessoais e de considerar qualquer coisa que ouvimos, inicialmente, como verdade, também somos levados a comparar nossas vidas com as vidas dos outros. A angústia e aquele sentimento de não realização podem estar vindo daí.
Assim, para tentar finalizar esta fala que acabou ficando por demais longa hoje, é importante a gente prestar atenção que ao menos parte destes sentimentos ruins que a gente tem com relação à nossa produtividade e às expectativas que colocamos para nós mesmos vêm de reações ou atitudes que temos de forma natural e esperada frente às coisas que são apresentadas pra nós. Talvez sejam mais algumas externalidades negativas das plataformas sociais sobre as quais precisamos ficar atentos. Enfim. É o que tem pra hoje.
Bem, acho que ficaram algumas pontas soltas neste texto. Eventualmente tentarei resolver todas as questões. Sobre o bom tédio e o tédio ruim pra gente, vou falar em outra ocasião. Um abraço!
Ninguém está negando que é um saco ter que gerenciar e memorizar senhas para tudo quanto for serviço que você tiver que usar. Mas se você tem este péssimo hábito de usar a mesma senha para mais de um serviço, saiba que a primeira coisa que acontece quando há um vazamento de dados e senhas de acesso de usuários são publicadas é o pessoal das más intenções testar esta mesma senha em diferentes serviços que você possa usar. Boa parte das vezes esta coisa funciona porque – justamente – muita gente acaba usando as mesmas senhas para tudo.
🤷♂️
Então, a minha recomendação inicial hoje é a de que você deve se proteger mais. Se você tem este péssimo hábito de compartilhar senhas em diferentes serviços, vá mudando as senhas aos poucos. Coloque senhas difíceis e diferentes para cada coisa que você usa. Este processo pode ser executado a cada vez que você vai acessando um dos serviços. Assim fica menos chato trabalhar a sua proteção.
Uma outra coisa que eu recomendo é que você não anote suas senhas em nenhum lugar visível ou acessível a ninguém sem proteção. Deixar um caderningo ou um papelzinho com as suas senhas anotadas em algum lugar é receita perfeita para ter problemas no futuro.
A recomendação nesse sentido é usar um serviço de gerenciamento de senhas. Há vários deles por aí e muitos testes certificando a segurança deles. Pessoalmente eu recomendo o Bitwarden. É uma solução gratuita para uma pessoa e que tem a possibilidade de integração com seu navegador ou mesmo usar em um aplicativo no celular e no computador. As senhas são guardadas protegidas por – isso mesmo – uma senha e você pode resgatar suas credenciais onde quiser, desde que esteja conectado à internet. É um esquema bem fácil de usar. Uma vez que você instala o Bitwarden, a única senha que você vai memorizar é a dele. O resto vai estar tudo guardada lá dentro. Daí é só proteger esta conta. Simples e fácil.
Existe ainda uma outra abordagem de segurança que é você ter um banco de dados criptografado com suas senhas e usar um aplicativo em suas máquinas para abrir este banco. Nada de usar serviços de empresas. Essa abordagem é mais privada e te dá mais autonomia. Muita gente curte, por exemplo, usar o Keepass (que é um aplicativo que tem para celular e computador) para gerenciar este banco de senhas (que muitos chamam de cofre) sincronizando tudo num DropBox da vida. è uma solução interessante e bastante segura.
O que você não deve fazer, então, é ficar desprotegido.
Existe uma expressão muito peculiar no nosso idioma que é “pagar lingua“. Pagar lingua é uma expressão que usamos quando alguém faz algo que dizia ser contra.
Eu sou mestre em fazer isso. Acho que sou a pessoa que mais pagou lingua em toda a sua vida. Pelo menos sou a pessoa que mais pagou lingua que eu conheço.
O exemplo mais recente de meu pagamento de língua é o fato de que agora estou usando o ambiente de desktop KDE em meus computadores.
Há coisa de poucos meses eu cheguei falar muito sobre o quanto eu odiava o KDE publicamente para quem quisesse ouvir.
Quando voltei a usar Linux em 2022/2023 eu havia acabado de sair de anos usando mac. Então a entrada mais obvia seria pelo ambiente do Gnome. Fiquei uns meses usando, não me acomodei direito e me senti em casa no Cinnamon. Usei o Cinnamon por bastante tempo até que fui picado pelo bichinho do distro hopper e acabei voltando pro Gnome. Só que eu nunca me senti verdadeiramente em casa no Gnome. Muita coisa me incomoda lá. No entanto resolvi seguir usando para ver se me acostumava. Afinal, é o ambiente mais usado. Novos meses passaram e eu estava, de fato, me adaptando ao Gnome.
Ah, e vale lembrar que durante todo este tempo que eu usava o Gnome, depois o Cinnamon e de volta ao Gnome, uma coisa eu não deixava de fazer: falar mal do KDE.
Só que daí um texto com várias críticas ao Gnome chegou em minhas mãos. Lendo o material eu fui identificando todas as coisas que me incomodavam no Gnome e que eu passava por cima por qualquer que fosse o motivo.
Só que, ao ler aquele texto, as ideias ficaram em minha cabeça e as incoerências visuais do Gnome ficaram por demais desconfortáveis pra mim. Não dava mais para tolerar.
Ao invés de voltar para o Cinnamon, que eu adoro, mas que tem problemas (um deles é justamente ser meio que escorado no Gnome para várias coisas), eu quis experimentar algo mais moderno.
Resolvi dar outra chance ao KDE.
Olha, talvez tenha sido a melhor coisa que eu tenha feito nos últimos tempos. O KDE é robusto e coerente. Pode ter um visual e uns comportamentos estranhos à primeira vista. Os ícones que ficam pulando pela tela quando acionamos um software, por exemplo, são das coisas que mais demorei a me acostumar. Há também muitas opções e configurações. Mas se você se concentrar e trabalhar de forma focada, não vai se deixar levar pela profusão de personalizações e conseguirá estabelecer um workflow bem produtivo.
Hoje estou em lua de mel com o KDE. Entendi que não é só porque a gente pode mexer em todo e qualquer aspecto de uma interface que a gente deva fazer isso. Então ciente dessas possibilidades, sigo minha vida no conforto de usar um ambiente bem robusto e estável.
Levando em conta as mudanças futuras do Windows na próxima versão, eu acho que muita gente que liga para segurança e privacidade vai acabar migrando para um sistema baseado em Linux e a minha recomendação é testar o KDE porque vai ser bem mais fácil as pessoas se sentirem bem neste ambiente. Minha pedida é que testem o Kubuntu, o Fedora KDE ou mesmo o OpenSuse. Para quem tiver mais coragem (ou auxílio) o KDE Neon é imbatível.
Tem uma coisa que me incomoda um pouco que é ver o quanto a gente (aí estou falando sobre pessoas que estudam e trabalham com comunicação) se deixa levar por recursos retóricos que a gente conhece muito bem.
Parece que estamos passando recibo de tolos quando a gente vê discursos claramente fabricados para convencer as pessoas de alguma coisa (como comunicadores, a gente tem capacidade para enxergar quando um discurso é montado assim; afinal, a gente aprende a fazer isso e faz isso o tempo todo) e acaba convencido.
Me dá uma raiva quando percebo isso acontecendo…
O caso mais recente disso se refere ao que tem-se convencionado chamar de “Inteligência Artificial”. Temos visto este termo ser colado em tudo ultimamente com a desculpa de que isso será o nosso futuro inevitável e de que isso transformará tudo profundamente.
As duas colocações são bastante genéricas e não querem dizer especificamente nada objetivo. De propósito. Faz parte da retórica que está sendo construída para justificar a quantidade de dinheiro que tem sido investido nisso.
Eu fico chateado quando vejo pessoas falando que isso será uma espécie de futuro inevitável. A última vez que ouvi este tipo de discurso foi quando tentaram vender a ideia do metaverso do Zuckerberg e, como sabemos, passaram-se alguns anos e nada de o tal metaverso ter decolado.
Dá uma pena saber que teve gente que se matriculou em escolas convencido de que teria aulas imersivas com uso de realidade aumentada e viveria experiências de aprendizado inovadoras no metaverso.
Enfim, coletivamente fomos enganados e preferimos fingir que nada aconteceu porque, afinal de contas, ai de mim admitir que errei e acreditei em uma coisa que não era real, né?
Acho que a mesma coisa está acontecendo com isso que as pessoas tem chamado de inteligência artificial. Eu tenho uma resistência grande a esse termo porque li e vi coisas que me evidenciaram que estas ferramentas não representam inteligência. Nesse sentido, a primeira indicação que eu tenho pra hoje é a fala do Miguel Nicolelis sobre o assunto. Ele explica de um jeito fácil e claro de entender que a gente não deve chamar isso de inteligência artificial.
Isso não quer dizer que não exista utilidade para este tipo de coisa. Entendo que o aprendizado de máquina possa ser muito útil para realizar tarefas repetitivas que nós acabamos demorando muito para realizar. Os estudos e testes nesta área são promissores.
Mas achar que o ChatGPT vai substituir uma pessoa para escrever um texto é demais pra mim. Talvez porque eu esteja lendo muitos textos feitos com ChatGPT nos últimos semestres, graças a muitos alunos que enviam trabalhos que deveriam ser textos autorais mas acabam usando este tipo de ferramenta, eu acho que é muito fácil identificar este tipo de texto com uma estrutura muito fácil de perceber e uma forma que a gente detecta rápido. A profusão de listas e frases vazias / genéricas são algumas características deste tipo de texto. Fica chato ler textos assim e verdadeiramente não penso que este seja o nosso futuro. Tomara que não seja. Imagina a gente ter que ler textos que ninguém quis se dar o trabalho de escrever… Por que diabos eu deveria ler isso, então?
De igual maneira acho difícil comprar a ideia da geração de vídeo com estas ferramentas. O que tem sido mostrado, em geral, é coisa que não tem muita utilidade. Achar que isso será o futuro me deixa desanimado com o futuro.
Novamente reforço que não estou aqui para colocar água no chope de ninguém. As ferramentas de aprendizado estão evoluindo bastante e há muito potencial por exemplo no uso de trechos de áudio com a voz de alguém para treinar uma máquina que será capaz de reproduzir esta voz. Isso é maravilhoso e ao mesmo tempo assustador. Maravilhoso porque pode abrir uma série de possibilidades para a gente ter um novo tipo de dublagem, por exemplo, garantindo maior acessibilidade. Assustador porque abre portas para a criação de deep fakes que podem causar muito dano na sociedade.
Mas fato é que a gente, coletivamente, está se deixando levar por este discurso de que não há futuro sem IA sem ao menos saber de aplicações práticas concretas imediatas destas ferramentas. É isso que me decepciona. Em outros momentos eu reforçaria que o segredo do sucesso é saber segurar a onda. Por isso, é a falta de uma visão um pouco mais crítica sobre este cenário que se desenha.
Ah, e quando falo isso, não estou falando que devemos simplesmente fazer oposição a tudo pelo simples fato de construir a oposição. Não é nada disso. É a necessidade de nos afastarmos um pouco, olharmos este discurso tão facilmente identificável como vendedor de uma ideia que nem está ainda 100% construída e construirmos uma interpretação mais apropriada.
Nesse sentido, minhas recomendações finais são alguns episódios do podcast Better Offline em que o apresentador Ed Zitron discorre sobre os problemas relacionados a isso que tem-se convencionado chamar de inteligência artificial. Há também uma entrevista do CEO do Google falando sobre como eles pretendem seguir com a implementação das sugestões de texto construídas pelo Gemini nos resultados de busca, mesmo sabendo que estão repletas de erros. Outra leitura que eu recomendo é sobre como o uso de ferramentas como ChatGPT pode ser ruim para instituições educacionais; especialmente referindo-se às suas reputações. Por fim, uma recomendação de um texto comentado lá no Better Offline em que pesquisadores afirmam que o ChatGPT é pura bobagem.
No final da manhã de hoje me pediram um documento importante de trabalho que eu não tinha em meu computador no momento. Sem problemas, pensei. Consigo recuperar este documento rapidamente no meu serviço de armazenamento na núvem.
Quando acessei o serviço, eis que a pasta onde o documento deveria estar não tinha nada. Foi aí que eu me perguntei: o que tem pra hoje?
Com mais de 25 anos trabalhando com comunicação digital tem algumas coisas que a gente aprende desde cedo. Uma das principais é que Back up, memória ram e livros, a gente nunca tem demais.
Só que tem uma pegadinha aqui. Muita gente acaba confiando em serviços como DropBox, Google Drive ou iCloud como a única solução de backup.
Na na ni na não, pessoal!
Se eu fosse confiar apenas em meu serviço de armazenamento na núvem para resolver a demanda desta manhã, estaria lascado.
Eu mantenho meus computadores sempre ligados ao meu serviço de armazenamento na núvem. Assim fica tudo sempre sincronizado e eu posso acessar todas as coisas que preciso rapidamente, estando em casa, no escritório, na rua ou no trabalho; com ou sem meu computador.
Só que, por algum descuido ou infortúnio, os conteúdos da pasta onde deveria estar um documento importante sumiram de todos estes lugares. Se eu fosse confiar apenas nesta solução para guardar meus documentos e ter acesso rápido a eles, estaria perdido.
Eu aprendi há uns anos que backup mesmo não é só ter uma cópia, mas sim ter mais de uma cópia. 🙂
Tem um lugar aqui no meu escritório em que mantenho uma caixa de HD’s externos. Nessa caixa também tem um monte de pen drives. Os conteúdos destes HDs e pen drives já me salvou inúmeras vezes.
Hoje eles me salvaram outra vez. O documento que eu precisava estava aqui. Tão logo eu o localizei, entreguei para quem me pediu e, claro, tratei de restabelecer a cópia remota também. Macaco velho não enfia a mão em cumbuca, certo?
Já pensou se entra um amigo do alheio em meu escritório e leva embora a minha preciosa caixa de HDs? Ou pior: vai que o meu escritório pega fogo ou é inundado numa enchente?
Confiar em apenas um lugar para manter as cópias de seus documentos não é o mais bacana. Na verdade, não é nada recomendado.
Em 2012, o furacão Sandy causou muito estrago em Nova Iorque. Muita inundação. Uma série de empresas confiavam suas soluções de armazenamento e até mesmo os servidores de seus sites em um datacenter chamado Datagram, que foi inundado durante a passagem do furacão e as chuvas subsequentes.
Imagina só se acontece uma coisa dessas com o seu serviço de núvem ou com o seu escritório? Por isso é mais do que importante e necessário que você não confie em apenas um desses lugares para ser o único repositório de suas cópias de segurança.
Então, pessoal, o que tem pra hoje é que eu estou alinhando meus backups locais com o que está em minha estação de trabalho e também com a núvem. Assim reforço a minha proteção e diminuo o risco de que alguma coisa me surpreenda no futuro. Pessoalmente, recomendo que você faça o mesmo.
Enquanto faço as minhas cópias de segurança, aproveito para escutar Elliott Smith. O disco que mais curto dele é o Either/Or, de 1997. Acho que se eu tivesse o vinil desse álbum, seria um exemplo de disco que eu teria escutado tanto que até teria desgastado o acetato. Este disco é também apreciado por Gus Van Saint, que pegou três músicas do álbum para colocar na trilha sonora de Gênio Indomável. Outro filmão que eu recomendo a você assistir. Este filme tem uma atuação primorosa do Robin Williams. Tanto Elliott quanto Williams já não estão mais entre a gente. De fato, uma enorme pena estes caras terem deixado o planeta tão cedo.
A dica final de hoje é o serviço prime da Amazon. Logo no começo da manhã fui ao supermercado e o pó de café estava na lista. Não comprei porque no supermercado que eu estava meio quilo de café estava custando 23 reais. Um absurdo. Ainda bem eu tive a presença de espírito de olhar no aplicativo da Amazon e ver que, no Prime, o mesmo café estava custando 19 reais. Obviamente comprei pelo app e agora vou criar o hábito de sempre dar uma olhada em itens de supermercado também no app da Amazon. Pode parecer loucura, mas acho que vai ser frequente encontrar itens de consumo da casa mais barato lá na Amazon do que eu encontro no supermercado perto da minha casa.
E agora, uma palavra dos nossos patrocinadores
A produção d’O que tem pra hoje é financiada em parte pela remuneração recebida a partir de compras feitas por meio de links afiliados na Amazon. Sempre que você clica em um dos links com indicação para compra de alguma coisa no site do Jeff Bezos, a gente ganha uma comissão.
Quer saber O que tem pra hoje todos os dias?
De segunda a sexta eu vou mandar por e-mail dicas de coisas bacanas para quem quiser receber. Para assinar, é só acessar o meu site e mandar brasa no seu cadastro. Além do e-mail você pode receber estas dicas em formato de podcast e também em nosso canal de WhatsApp. No canal do WhatsApp outras coisas podem ser postadas ao longo do dia, então eu recomendaria participar.
Todos os dias eu tenho a nítida impressão de que estou sendo feito de trouxa. Acho que não estou sozinho.
Hoje eu acordei com a notícia de que a minha assinatura do Mercado Livre (que dá acesso a Disney plus e garante frete grátis para compras acima de determinado valor) vai aumentar de preço.
Daí eu te pergunto: se eu já acordei com essa, o que tem pra hoje?
Essa história já está ficando batida. Começa com uma empresa oferecendo um produto em uma oferta bastante sedutora. Pode ser um preço bem baixo, uma comodidade que os concorrentes não estavam acostumados ou então alguma funcionalidade que acabe colocando o produto num patamar bem superior aos seus concorrentes.
Você se lembra quando Uber começou a operar no Brasil? Eu me lembro. Fui convidado a experimentar o serviço em um evento em fevereiro de 2015. Lembro que àquela época eu já havia lido sobre a empresa e sua atuação em diversas cidades dos Estados Unidos.
O carro que eu peguei em minha primeira era um sedã de último tipo, com bancos de couro e tudo o mais. Era um serviço de luxo sendo oferecido por um preço mais baixo que o de uma corrida de taxi aqui em BH.
Conversando com os motoristas tanto no trajeto de ida quanto na volta para casa, eles me falaram que estavam conseguindo lucrar bastante com aquele trabalho. Apenas elogios.
O tempo foi passando e a gente foi se acostumando a usar Uber como uma alternativa a Taxis em cada vez mais cidades. Mais motoristas começaram a participar e, com isso, o serviço foi se tornando cada vez mais parte de nossa rotina. Houve quem dissesse que um dia os taxis acabariam e só teríamos Uber na rua.
Hoje, a experiência de fazer um percurso usando Uber não é mais como em 2015. O padrão dos carros mudou, novos tipos de serviços foram adicionados e se eu quiser uma corrida em um sedã de úlktimo tipo, terei que pagar mais. O preço por cada corrida também mudou. Hoje usar Uber não significa mais que o seu trajeto será mais barato do que o trajeto de taxi. Pelo menos não tão mais barato como era.
Outra coisa que mudou radicalmente é o quanto o motorista vinculado a esta empresa ganha pelas corridas. Se lá em 2015 o motorista se gabava do quanto ele conseguia ter como rendimento trabalhando dessa forma, hoje a coisa é outra. Os motoristas precisam rodar muito mais por dia para poderem arcar com os custos envolvidos com a atividade. Rendimento, mesmo… muito pouco.
O que acontece com a minha conta (que muito provavelmente em breve cancelarei) no Meli+ e o que acontece com o motorista que trabalha com o Uber tem relação e se chama enshitification. O nome é bonitinho (porque é em inglês) mas a tradução é bem mais explicativa para nós brasileiros: merdificação.
Este conceito é bem interessante e vem sendo trabalhado por seu criador e ativista da internet Cory Doctorow. Empresas, depois de conseguirem uma participação de mercado que as coloque em situação confortável, reduzem a qualidade da sua oferta. Em outras palavras, depois que o produto passa a ser amplamente utilizado, ele acaba ficando pior. Mas perceba: o produto não fica pior porque tem mais gente usando. Ele fica pior porque a empresa decide piorar o produto para maximizar seus lucros.
O conceito não é exatamente novo. A abordagem com o universo da tecnologia é que é bem nova e a sacada do Cory Doctorow é excelente por causa disso.
Na economia este conceito se chama Dumping e explica a prática de uma empresa (normalmente uma grande empresa que está entrando em um mercado novo) de praticar preços mais baixos que os de custo de forma a assegurar um futuro monopólio. Quando este monopólio é assegurado, os custos em operar abaixo da linha da lucratividade num momento inicial são revertidos e quem paga a conta é o consumidor.
Enshitification tem muito a ver com Dumping porque também se relaciona com monopólio. Uma empresa, digamos… uma ferramenta de busca ou uma plataforma de compartilhamento de fotos, por exemplo, lançam seus produtos com qualidade superior à de seus concorrentes. Oferecem experiências bacanas para as pessoas que passam a usar estes novos serviços deixando os concorrentes de lado. Uma vez que muitas pessoas estão usando o produto, as empresas atraem parceiros (que podem ser anunciantes) para participarem do processo. A estes parceiros a oferta também é tentadora. Se para usar o serviço as pessoas não pagam nada e tem acesso a uma boa experiência como contrapartida, para os parceiros, os anúncios são baratos e eficientes. Um anunciante pode alcançar muitas pessoas com sua mensagem em uma plataforma boa desse jeito.
Daí, quando a plataforma (seja ela de busca ou um serviço de compartilhamento de imagens) ganha praticamente plena adoção de usuários e empresas, chega a hora de pagar a conta. A qualidade do serviço diminui, o preço do anúncio fica mais alto e a vantagem que antes usuários e parceiros enxergavam em usar a plataforma desaparece. Você pode ter um vislumbre daquilo que um dia foi se pagar uma alta monta de dinheiro para impulsionar postagens ou anunciar na plataforma, por exemplo.
Esses três passos são o que Cory Doctorow descreve como enshitification ou merdificação. O que eu expliquei aqui em poucas palavras é apresentado em detalhe e com muito mais autoridade pelo próprio Cory Doctorow em uma apresentação que ele fez na DefCon 31, que aconteceu no ano passado. Este vídeo com a fala do Cory Doctorow é a minha primeira recomendação de hoje. É uma fala muito importante para entendermos a merda em que estamos afundados.
Não tenho dúvidas de que a experiência com Uber, com o mecanismo de buscas e com a plataforma de compartilhamento de fotos que mencionei aqui se enquadram perfeitamente no conceito de merdificação. Estamos vivendo isso em vários sentidos, com relação a vários serviços que usamos em diferentes aspectos de nossas vidas.
O que tem pra hoje, então é que, enquanto não fizermos nada, estaremos afundados nessa merda. Não há eufemismos para isso. A gente precisa se lembrar que existem opções para todos estes serviços que a gente usa e que estamos notando que estão ficando piores.
Certamente existem diversas opções ao Uber, incluindo aquelas que não remuneram tão mal os motoristas. Elas podem ser menores, podem ser as cooperativas de taxi, pode ser uma empresa com um modelo de negócio novo que ainda nem decolou, mas ela existe e quando a gente puder, a gente deve usar a alternativa e incentivar seu crescimento na luta contra a empresa grande que quase virou um monopólio.
O mesmo vale para o mecanismo de busca e para a plataforma de compartilhamento de imagens. Há alternativas e podemos usa-las. Achar que a solução monopolística é a única viável não é uma boa. Em primeiro lugar porque ela não é a única solução viável. Em segundo lugar porque se abrirmos mão de usarmos as alternativas, jamais escaparemos das garras daqueles que estão tornando tudo pior pra gente e ainda, não daremos espaço para ninguém crescer. Nesse sentido há até um movimento de startups bem interessantes que, ao invés de se colocarem como futuros unicórnios, elas se colocam como zebras, porque a ideia delas não é a de crescer indefinidamente e se transformarem em gigantes. a ideia é a de apenas resolver problemas das pessoas e sobreviver com segurança. Sobre as zebras eu posso falar outro dia. Vamos começar a caminhar para o fim deste áudio que já está ficando muito longo…
Minha meta para fazer este encerramento é apresentar as duas próximas recomendações bem rapidamente, mas não menos importantemente.
Nesse sentido a segunda recomendação que faço é o livro do Cory Doctorow em que ele traça o plano sobre como vamos retomar o controle de nossas vidas digitais e sairmos dessa posição de reféns de poucas empresas. O livro se chama The internet con. É uma leitura relativamente rápida e repleta de detalhes e aspectos históricos que vão ajudar muito a gente a entender como os monopólios se desenvolveram. Por exemplo, foi lendo o texto do Cory Doctorow que eu descobri que o Yahoo Messenger e o MSN trabalhavam o padrão de mensagens XMPP, que era aberto e permitia a interoperabilidade. Isso foi bem bacana para integrar vários serviços. Até que as empresas decidiram fechar seus protocolos e isolarem seus serviços uns dos outros.
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Sabe quando a gente entra no elevador e encontra alguém num contexto que há uma expectativa de interação? Se a gente não sabe o que falar, acaba fazendo qualquer observação sobre o clima e torce para que aquilo seja o suficiente para ocupar o tempo até que a viagem do elevador acabe. Né? O que tem pra hoje?
O que tem pra hoje é que está quente.
Só que nessa semana de setembro, na região sudeste do país, falar que está quente significa muitas coisas.
A gente está vivendo uma sequência de dias secos com temperaturas bastante altas que acabam vindo um pouco fora de hora, o que está causando uma série de problemas.
Mas não apenas isso. O clima está quente porque também estamos em período eleitoral e a disputa pelas prefeituras neste ano está pegando fogo. Falar, então, que o clima está pegando fogo pode ser algo bastante arriscado de se dizer num desses encontros de elevador.
Ainda assim, é o que tem pra hoje e eu vou falar disso porque precisamos conversar sobre a necessidade de sabermos navegar nesse mar de desinformação e cortes com falas descontextualizadas que estamos vendo o tempo todo e é isso que acaba embasando as decisões de muita gente na hora de escolher em quem votar.
É um assunto que dá quase tanto medo de falar quanto o calor e as mudanças climáticas. Só que precisamos falar de ambos.
Hoje, no entanto, o que tem pra hoje mesmo é o calor das discussões online e a fogueira da desinformação.
O contexto digital nos proporciona uma coisa muito legal que é o rompimento de um modelo unidirecional do fluxo de informações (principalmente notícias) que, na era da mídia de massa iam dos emissores (que existiam em pequena quantidade) em direção aos receptores (a massa). O digital transformou isso e agora temos múltiplos fluxos que vão em diferentes direções, uma vez que agora todos somos potenciais emissores e receptores ao mesmo tempo. Então os fluxos agora são de muitos para muitos. E são múltiplos fluxos. Uma confusão danada.
A gente foi vivenciando o desenvolvimento desse contexto tal qual um sapo em uma panela de água no fogão. A coisa começou a ferver e a gente não foi dando muita notícia. Agora a gente está a ponto de morrer cozido se não fizermos nada. Mas o que fazer? Eu vou dar aqui uma recomendação bem bacana de leitura que pode nos ajudar a enfrentar isso. O livro “Armas de destruição matemática” é um título muito importante escrito pela pesquisadora Cathy O’Neil. Infelizmente a tradução do título para o Brasil não ficou das melhores e o texto acaba se chamado “Algoritmos de destruição em massa“. Eu acho que esta tradução é inapropriada porque acaba por ajudar a distanciar a ideia do que são algoritmos das pessoas no geral. Mas enfim, né? Este texto da Cathy O’Neil é muito relevante porque ele trata de um aspecto bem importante referente à plataformização da comunicação que muito tem a ver com a disseminação de desinformação. A ideia de que as plataformas desempenham um papel muito importante no processo de disseminação de desinformação mesmo que este não seja a intenção inicial das plataformas. No entanto, a sua lógica de funcionamento acaba levando a este contexto.
Complementa a leitura deste texto o artigo “A relevância dos algoritmos“, do Tarleton Gillespie. Este texto também está traduzido para o português num trabalho muito legal dos professores Amanda Jurno e Carlos D’Andrea. Neste texto, Gillespie constrói uma descrição acertada de algoritmos que nos aproxima e facilita o entendimento do que Cathy O’Neil está falando. São informações que se complementam e que ajudam a gente a entender que os algoritmos são regras de trabalho das plataformas que servem a uma série de funções específicas isoladamente e, que, quando trabalhadas em conjunto, a gente tem máquinas de recomendação de conteúdo muito acertadas que acabam por estimular o espalhamento de conteúdos que não necessariamente se desdobrarão em ações coletivas muito felizes. Mas quanto a isso as plataformas não estão muito preocupadas; a função primordial de operar estes vários cálculos e regras é nos mostrar publicidade.
É angustiante, eu sei, mas saber como a coisa funciona é um primeiro passo para impedi-la de continuar funcionando. Nesse sentido a ideia é a gente tentar, individualmente, ser o ponto da rede onde uma informação errada para de circular. A gente precisa se educar novamente para aprendermos a consumir e circular conteúdos nas plataformas e fora delas. A gente precisa compreender que as máquinas de recomendação não se preocupam com a veracidade daquilo que estão recomendando, mas sim com a propensão das pessoas que verão aquelas postagens de ficarem mais tempo nas plataformas para verem publicidade.
Ou seja, para a gente, pessoas comuns, a disseminação de desinformação pode ter consequências catastróficas. Ainda mais em período eleitoral. Isso pode levar pessoas a votarem em gente que se dedica a enganá-las, colocando-se como a novidade e a anti-política ou o antissistema quando na verdade são justamente o contrário. Aqui, uma dica: a solução não está em se deixar levar pelo discurso antissistema ou antipolítica. A solução é justamente aprender e se informar para agir coletivamente e saber viver no contexto político.
O Instituto Palavra Aberta tem uma iniciativa bem legal nesse sentido que é o VAR – Verifique antes de Repassar. a ideia é super simples e é isso mesmo que você entendeu. Recebeu uma notícia? Qualquer notícia? Verifique se é real antes de repassar. Veja quem publicou e cheque quais são as credenciais desse veículo ou personalidade. Repasse apenas aquilo que tiver certeza que é verdade.
Nossa, muita coisa, né? Quase não está dando tempo de fazer outras recomendações. Mas eu não me sentiria bem se não as fizesse. Para dar uma relaxada e retomar as esperanças na humanidade, minha dica é voltarmos não 30 anos como ontem, mas sim 50 anos e irmos direto para 1974. Esse é o ano em que David Bowie lançou o disco Diamond Dogs, que tem a bela música Rebel Rebel. Este foi o ano em que o o Queen lançou seu segundo disco (Queen II) e que o Supertramp lançou o disco “Crime of the century” com a eterna música Dreamer. Mas o meu destaque para esta leva de recomendações é o quarto disco do Kraftwerk chamado Autobahn. Nossa, quanta coisa boa aconteceu em 1974, né? Meio século de excelentes canções.
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Hoje é dia 2 de setembro de 2024. Eu sou o Caio e te pergunto: o que tem pra hoje?
Bem, por aqui, o que tem pra hoje é que estamos em 2024 e este é o ano em que vários discos muito legais estão celebrando 30 anos de lançamento. A minha recomendação inicial é um disco que comemorou seus 30 anos de lançamento no último dia 30 de agosto. Foi naquela data que o Bad Religion lançou um de seus mais importantes albums: Stranger than fiction. Este disco é primoroso e conta com, provavelmente a minha faixa favorita da história do Bad Religion: Infected. Este disco é muito bom e conta ainda com a 21st century digital boy, que é – talvez – uma das músicas mais marcantes da banda. Bem, o disco vendeu mais de 500.000 cópias nos Estados Unidos. Você pode ouvir este disco na íntegra aqui. Quem sabe você também não aproveita e compra o livro que conta a história da banda? Esse livro é cheio de curiosidades bacanas como, por exemplo, o fato de eles terem feito uma tournée com o L7 pelo interior dos Estados Unidos e tocarem para públicos de – em média – 50 pessoas na platéia. Já imaginou como não devem ter sido estes shows? Eu morro de inveja de quem teve a oportunidade de assistir.
E já que eu falei em música, vou emendar com uma sugestão: Você curte acessar o YouTube, presumo. Afinal, são mais de 2.50 bilhões de pessoas que acessam o site diariamente. Certamente você está nessa lista. Minha recomendação a você nesse sentido é assinar o YouTube Premium. O Google (empresa dona do YouTube) está fechando o cerco contra as pessoas que usam bloqueadores de anúncios. Assim sendo, a maneira mais interessante de acessar o site sem ser interrompido constantemente é pagando. A minha dica é o plano familiar, que custa R$ 41,90 e você pode colocar até seis pessoas na família para curtir o site sem ver nenhum anúncio. A relação que eu fiz com a música anteriormente se justifica agora: quando você assina o YouTube Premium, ganha de lambuja o YouTube Music, serviço de streaming de música. A barganha acaba sendo bem sedutora porque o preço por pessoa fica abaixo do que se paga pela assinatura mais barata do Spotify, por exemplo. No Spotify você vai pagar 34,90 por mês no plano família. No YouTube, você paga 41,90 para as mesmas seis pessoas usarem um serviço de streaming de música e o YouTube. Eu acho que vale a pena e por isso te recomendo. Se você tiver muito apego às suas playlists criadas no Spotify, não tema. Há uma ferramenta bacana e gratuita que te ajuda no processo de migração destas playlists do Spotify para o YouTube Music. Já usei para migrar playlistss do Deezer pro YouTube Music e posso dizer com segurança que funciona muito bem.
Para terminar a lista de recomendações de hoje, uma leitura bacana e bem curta: um texto provocador do Ruy Castro sobre o nosso futuro tendo em vista as relações que estamos desenvolvendo com as telas… No que isso vai dar? Este texto é simples e rápido, deixando uma provocação bem interessante para a reflexão sobre as coisas que acabamos fazendo ao mesmo tempo. Será que não seria o caso de pensarmos e atuarmos no sentido de que menos pode ser muito mais?
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