(Ou: você precisa de uma pós em Design de Interação para ser designer de interação?)
TL, DR: Não.
Quer a explicação completa? Leia a seguir e participe da discussão!
Preâmbulo – A inquietação
Para quem não sabe, eu – Caio Cesar – fui um dos responsáveis pela implementação da primeira pós graduação em Design de Interação no Brasil. Sob a minha coordenação, formaram-se cinco turmas de especialistas em DI. Foi um período muito gratificante, de muito trabalho e várias realizações. No entanto, algumas inquietações sempre me incomodaram. Uma delas, a corrida por uma pós a qualquer custo, sem se preocupar com uma formação mais sólida na base. Estas inquietações foram crescendo até que chegou um ponto em que eu precisei fazer algumas escolhas e continuar coordenando uma pós deixou de ser uma prioridade e um interesse. Daí nasceu o inter. ativida. de.
Embora esta questão da formação esteja bem clara na minha cabeça, aqui no projeto inter. ativida. de tenho recebido muitas indagações a respeito da pós em Design de Interação. A quantidade de gente que tem demandado este curso é grande. Mas minhas crenças e instinto me dizem que uma pós por si só não é o suficiente para formar um designer de interação. Na verdade, não acho que acabe colaborando com muita coisa além de apontar bibliografias, apresentar contatos e mostrar que existem caminhos…
Pra deixar bem claro, o que eu penso é que para você trabalhar com design de interação tudo o que você precisa é começar. E se esforçar muito. Para fazer um paralelo bem superficial, pense na quantidade de pessoas que trabalham com desenvolvimento front end para a web. Agora, a partir deste montante, tente identificar quantos destes profissionais aprenderam a fazer isso em cursos de graduação ou pós. Certamente você perceberá que a grande maioria aprendeu fazendo, e não frequentando aulas. Meu ponto aqui não é detonar a formação superior. Não sou maluco. Dou aulas numa universidade há 12 anos. Entendo e valorizo a formação superior. Mas, como já disse em outras ocasiões, você não é aquilo que você estuda. Você é aquilo que você faz.
Nesse sentido, acho que fontes online de informação, somadas a disciplina e ao empenho do interessado acabam por fazer mais diferença na vida dele do que um título faria.
Perguntando a profissionais e empreendedores
Só que isso tudo pode ser coisa da minha cabeça e eu posso estar viajando muito. Por isso, decidi perguntar para pessoas que contratam profissionais, o que eles acham. Perguntei para alguns profissionais que empreendem e contratam pessoas para funções relacionadas ao DI qual o peso do curso na hora da contratação. De forma bem específica, coloquei a questão: se dois candidatos estão participando de um processo seletivo na empresa e apenas um deles tem título, este título é mais importante que o portifólio ou é apenas um critério de desempate? O portifólio e o perfil (entrevista) são mais importantes que o título ou a formação fala mais alto?
A primeira resposta que recebi foi da Juliana Duarte, da Lapis Raro. Para ela, a resposta mais direta só poderia ser: o portfólio e o perfil certamente contam mais que o título. No entanto, a Juliana levantou algumas questões interessantes como a velocidade do aprendizado em sala de aula, que é maior em sua percepção. De forma intimamente relacionada, a resposta do Leandro Alves, da Meliuz, foi a de que uma pós proporciona o networking necessário para alavancar a sua carreira ou até proporcionar a ela um novo direcionamento.
De forma mais que direta, Cristiano Dias, da Mutato, mandou: Portfolio, entrevistas e indicação de conhecidos valem muito mais do que diploma. Mas isso em agência. Em cliente normalmente é o contrário, até por que como são empresas maiores há planos de cargos e salários e o simples fato de ter um diploma pode te garantir um salário maior.
Isso se relaciona a uma questão que eu sempre coloquei parece também incomodar a Juliana e o Alexandre Estanislau, da Bolt: vale a pena fazer pós só por causa do título? Concordamos que não. O título pelo título não representa muito. O Leandro foi até mais além, dizendo que
“o diploma em si, não vale nada. O cara pode ser PhD na área que procuro, que não quer dizer muita coisa. Inclusive, eu sempre fico com pé atrás, quanto maior o título da pessoa, porque muitas das pessoas com as quais tive contato e que tinham titulação muito alta, acabavam por ser arrogantes, inflexíveis ou simplesmente loucas e impossíveis de se relacionar. ”
Renato Amarante, da Sense8, foi na mesma onda do Leandro em sua colocação sobre o assunto. Para ele, “portfolio e títulos são apenas indícios de que o cara pode ser bom. Afinal, se estudou e fez uma pós, teoricamente ele é melhor do que o que não tem nada”. Mas isso não quer dizer que quem não tem o título seja desqualificado: “em quase 20 anos de web nas costas, os melhores profissionais com quem trabalhei foram os que sequer iniciaram uma graduação”. Para fechar a sua fala sobre este assunto, o Renato ainda me informou que já se deu mal por apenas olhar o portifólio do candidato na hora da contratação “talvez por estar tentando enganar usando portfolios de outros, ou até mesmo porque no dia a dia, no trabalho em equipe, o cidadão não se dá bem”.
A integração com a equipe e a adequação com o perfil da empresa se mostraram também muito importantes para o Herbert Rafael, da 3bits. Ele relata que já contratou pessoas muito capacitadas (formação é um parâmetro dentro desse contexto) que não se adaptaram ao estilo da agência, o que não foi tão bacana no final das contas.
Então quer dizer que fazer um curso não vale nada?
Se você está se fazendo esta pergunta, peço que volte ao início do texto e comece a ler novamente. Todos os que responderam minha mensagem procuraram deixar bem claro que não se posicionam contra a formação superior. Da mesma forma que eu.
Isso me deixou um tanto quanto aliviado. Com as respostas que recebi, pude comprovar que minhas suspeitas e meu instinto não estão fora da realidade. Um curso é importante. A formação superior é importante. Mas não determinante. Ela colabora para que o profissional tenha uma bagagem que será muito interessante em sua vivência. A especialização (numa pós lato sensu) apenas pelo título pode ser bem legal se você receberá um aumento em função disso, como disse o Cristiano. De resto, é dinheiro jogado fora.
Para deixar mais claro, reitero o que o Cristiano falou lá em cima. Uma empresa costuma valorizar o título. Isso é correto. Mas tenho certeza de que este não é o único quesito avaliado. Se fosse, o meu título de doutor me garantiria o emprego que quisesse, mas a coisa não é bem assim. Não basta eu querer um emprego. Eu preciso ser capacitado para desempenhar esta função (um mestrado, um doutorado ou mesmo uma pós lato sensu não capacitam ninguém para funções específicas em empresas. Isso precisa ficar bem claro) se quiser a vaga.
O Leandro disse que dependendo de suas aspirações profissionais, a pós tem um incrível valor. Para ele, se o profissional quer atuar como consultor, uma pós ajuda e muito, dando um crédito formal à sua formação. Mas ele reforça que se o objetivo é aprender algo, cursos mais curtos e direcionados tem um valor muito maior do que uma pós deste formato.
A Juliana disse algo semelhante. Uma pós, de acordo com ela, pode ser um pontapé inicial para uma carreira acadêmica. Mas, se o profissional já aspira atuar nessa área, o mestrado é o caminho mais adequado.
(a falta de) Bagagem e vivência
O Alexandre, muito sabiamente, coloca uma questão deveras importante para apimentar a discussão:
“Vejo que muitos procuram um curso, uma pós ou algo do tipo, pra aprender um ofício. Pouco se preocupam em aprender a pensar. Aqui na Bolt temos grandes dificuldades de encontrar bons profissionais em todas as áreas. Achamos pessoas querendo trabalhar, mas com um perfil muito ruim para uma vaga. E principalmente na área de interação é mais complicado ainda. E ter um título, uma formação dentro do interesse específico é importante, mas não é só isso que vá render uma contratação. Hoje eu busco outras qualidades em quem vem trabalhar aqui na Bolt. Busco conhecimento em outras áreas, busco alguém que gosta de desafios, pessoas que tenham curiosidade, pessoas que saibam discutir sobre todo e qualquer assunto, que saiba ouvir, que saiba expor ideias e que saiba lidar com as pressões do dia a dia e que tenha capacidade de se adaptar mas principalmente pessoas CRIATIVAS. Tudo isso em geral se consegue com tempo de estrada, e é justamente o que não vejo na maioria dos candidatos. O título não é fundamental e nem é ele quem vai definir quem entra e quem fica de fora. Ele vai servir de base, mas é um conjunto de fatores que definem quem fica na vaga. ”
Até parece que combinaram as falas. Vejam o que a Juliana disse sobre isso:
“Uma outra coisa que me ocorre sempre quando o assunto é pós é a pressa das pessoas sair da graduação e cair matando em uma pós, sem nenhuma vivência de mercado, sem ter os problemas e questões que nascem da prática” … “nós, que já estamos há muito tempo na estrada e que começamos desde sempre pensando nas pessoas já temos isso muito internalizado. Muitas vezes, ao desenvolver um trabalho ainda me assusto com a ausência dessa perspectiva no raciocínio e na prática dos profissionais. ”
A falta de bagagem e vivência é uma coisa que certamente um curso não resolve. Tem vaga sobrando, mas também tem gente ruim de serviço sobrando. Gastar dinheiro apenas cursando uma pós não resolve o problema de todo mundo. Na verdade, não resolve o problema de ninguém. Conheço gente que concluiu o doutorado trabalhando cibercultura com 28 anos e que não sabe nada de HTML ou que nunca conseguiu fechar (ou ao menos abrir) um arquivo . PSD.
O mercado está – e isso não é o Caio dizendo, volte e leia as falas dos profissionais e empreendedores que colaboraram com esta “mesa redonda virtual” – precisando de gente que coloca as mãos na massa e este tipo de profissional não se constrói num curso. Alguma coisa pode até vir de um curso, mas pensar é algo que não dá para se ensinar numa pós.
O que você sugere, Caio?
De forma bem direta, o que sugiro é que você comece a fazer. O que quer que seja. Dê início. Se você quer ser desenvolvedor front end, não hesite. Comece a quebrar a cabeça com HTML, JavaScript, CSS… Aprenda a trabalhar com ferramentas gráficas. Participe de comunidades online, fóruns de discussão. Faça experimentos. Coloque-os no ar e divulgue o que você está fazendo. Aos poucos, seu trabalho vai melhorar e com o feedback que você receberá da comunidade, você aprenderá muito.
Frequente associações de profissionais, como a IXDA por exemplo. Lá você poderá conhecer muita gente interessante que já trabalha na área ou que está na mesma situação que você. Não é possível que você não vá conhecer ao menos uma referência nova por este caminho.
Leia, leia e leia um pouco mais. Leia tudo sobre o assunto que te interessar. Não sabe ler em inglês? Então já sabe o que precisa fazer. Pare tudo e providencie sua capacitação em inglês, oras! Depois que você estiver com uma boa carga de leitura, faça novos experimentos, produza! Coloque seu conhecimento a prova fazendo coisas novas.
Se você acha que isso tudo acontece num curso, bem… acho que você está equivocado. Os ritmos das pessoas são diferentes e as aspirações bem como o conhecimento também são. Dessa forma, não dá para garantir que você conseguirá resolver seus problemas com uma pós.
E, como vocês puderam ler, os donos de agências e pessoas que contratam (o tal “mercado”) não está exigindo um título. As empresas querem pessoas que tenham repertório e maturidade.
Por fim, o que quero dizer é: não ache que uma pós (ou um curso qualquer) é a solução para os seus problemas. Eu posso fazer dez cursos de culinária e ainda assim continuar fazendo lambança na cozinha se eu não começar a levar a coisa a sério. Se eu quero comer uma omelete bem feita, a primeira coisa a fazer é quebrar os ovos.
No entanto, como bem lembrou o Herbert, o espaço para a leitura, a busca de referências e o contato pode muito bem ser o de um curso de pós. Sem dúvida alguma! O tempo destinado a um curso pode e deve ser aproveitado para que sejam feitos contatos, se descubra coisas novas e fazer muita experimentação. Mas estas coisas não acontecem apenas em cursos.
Por isso este projeto existe (existiu). De alguma forma, estamos lutando aqui para a formação de uma comunidade que discute e aprende design de Interação além dos muros das escolas. De uma maneira que não prenda a sua participação a um tempo específico (a duração de um curso). Se você quer participar, as portas estão abertas. Leia, discuta (comente), faça parte de nossa lista (Em breve retornarei com a lista de DI. Aguarde!!) para receber as novidades e interaja com a comunidade (ache a sua e participe dela ativamente!).
Quem sabe este não é o lugar que você vai encontrar um parceiro bacana para tocar um projeto legal que vai fazer toda a diferença na sua vida profissional? Já pensou que pode ser aqui que você vai ter a notícia de um livro ou uma metodologia que vai se encaixar com tudo o que você precisa? Tudo o que você tem a fazer é acompanhar e participar.
Comece comentando sobre este texto. O que você tem a dizer? Gostaria muito de saber. Você acha que é necessário fazer uma pós para ser um especialista em Design de Interação? Como dito, o espaço está aberto.