O problema não está nas “redes sociais”

Hoje eu escutei o excelente episódio “As redes da discórdia” do podcast “Ciência Suja”.
Recomendo que você escute e preste bastante atenção nas referências. O pessoal fez um trabalho muito bacana para organizar uma linha de pensamento coerente e que deixa muito fácil de entender de onde vêm parte da influência para o estado de discórdia e conflitos que vivemos.

Eles fazem um excelente serviço ao recuperarem o texto do Richard Barbrook e do Andy Cameron (embora este último não receba o crédito) sobre a Ideologia Californiana e traçarem uma linha evolutiva até chegarmos à economia da atenção, a era do capitalismo de vigilância (embora não citem diretamente o trabalho da Shoshanna Zuboff), a máquina do caos de Max Fischer e chegando ao Byung-Chul Han no excelente Infocracia.

Chamo atenção para o final do episódio quando o principal narrador faz uma reflexão sobre o antagonismo das “redes sociais”, quando ele recupoera o exemplo de quando seu laptop foi furtado e ele usou da dinâmica de redes que é presente na internet de forma bem prevalente para fazer uma vaquinha e recuperar o $$ para poder comprar outro computador e seguir trabalhando.

Aqui entra o motivo de eu estar escrevendo este post.

Minha questão com a abordagem que se tem tido sobre o assunto encontra um exemplo bem legal do problema que me refiro neste caso que o narrador do podcast fala.

Ele fica pesaroso porque acredita que as redes sociais podem ser bem bacanas (dando o exemplo da vaquinha para a compra de seu computador) e ao mesmo muito prejudiciais (com os vários exemplos que abundam no episódio).

Este antagonismo tem uma explicação clara e é esse exatamente o ponto que vem me incomodando.

As redes sociais são as conexões entre as pessoas. Elas existem desde que a gente (seres humanos) começou a se agrupar e viver em conjunto.

Ao chamar o Instagram, o YouTube, o TikTok e o Facebook de “redes sociais” as pessoas passam a confundir as coisas. Daí o antagonismo retratado pelo narrador do podcast. Ele não precisaria existir.

Facebook, Instagram, TikTok, YouTube e congêneres são plataformas sociais. Serviços de mídia social que têm características de rede, mas não são as redes. As redes são as conexões entre as pessoas que se manifestam nestes lugares. Nos sites de mídia social a gente consegue ver algumas redes, mas as redes extrapolam isso.

Pode parecer apenas uma questão semântica, mas é mais do que isso. pensa comigo…

Quando a gente chama estes serviços de “redes sociais”, estamos atribuindo a eles um poder que não é exclusivo deles. Reunir pessoas é algo que já fazemos coletivamente muito antes da internet. Isso proporciona excelentes consequências e também desdobramentos questionáveis. Já vimos tudo isso na história da humanidade até chegarmos ao século XX.

Foi ao final do século XX que começamos a ver na internet os serviços / plataformas de mídias sociais que exibem listas de atualizações de pessoas em forma de feed e que são montados por meio (primordialmente) de intervenção /  manipulação algoritmica. Estes serviços comerciais que tem-se chamado – a meu ver equivocadamente – de “redes sociais”. Estes serviços, no entanto, são apenas espaços em que pessoas circulam conteúdo. Isso não tira deles relevância, mas não os qualifica como “redes sociais”. Chamar estes espeços de “redes sociais” é, nesse sentido, equivocado.

Além disso, a gente desvia o foco daquilo que é realmente prejudicial. A manipulação algorítmica destes serviços visando a maximização do tempo de tela para coleta ostensiva de dados e futura utilização em ações publicitárias altamente direcionadas.

E é exatamente neste ponto que está o problema que é discutido em quase todas as publicações citadas neste meu post e no episódio e, claro, no episódio em si.

Ou seja: o problema não são e nem está nas “redes sociais”. As ligações entre as pessoas nada têm a ver com isso.

O que acontece é que quando a gente adota massivamente plataformas sociais comerciais que visam o lucro e, por isso, manipulam algoritmicamente o que é exibido aos usuários, temos muitos problemas.

As plataformas sociais que não são manipuladas algoritmicamente (como o pixelfed, o mastodon e demais serviços que constituem o chamado fediverso) não têm as características negativas enumeradas no episódio e em publicações como o “máquina do caos”, por exemplo. Isso faz uma diferença danada porque quando as pessoas equivocadamente falam que o problema está nas famigeradas “redes sociais”, aquelas que não têm o feed manipulado por algoritmos acabam caindo no mesmo balaio de malvadezas criado por esta forma de enxergar o problema.

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