O alto custo das coisas gratuitas

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Não existe almoço grátis.

Desde 2019 eu venho testando diferentes bancos. A insatisfação com a instituição que eu estava usando há anos havia crescido tanto que eu, naquele momento, decidi fechar a conta e testar novas soluções. A portabilidade bancária é uma coisa libertadora.

A facilidade de abrir (e fechar) uma conta por um aplicativo ajuda muito no processo de pesquisa e definição de uma instituição bancária a usar. Mesmo que seja muito simples fazer todo o processo, entendo que o ideal é desenvolver uma relação mais duradoura com uma instituição bancária.

Eu testei e tenho testado alguns bancos ao longo destes anos. Já usei vários, mas acabei estacionando em uma instituição das mais tradicionais; daqueles bancos que tem agência. 🙂

Só que eu mantenho uma conta com apenas alguns centavos no Banco Inter pelos motivos mais preguiçosos:

  1. shellbox
  2. estacionamento rotativo

Há algumas semanas tenho me pegado pensando em como me desvencilhar dessa preguiça. Uma coisa me incomoda bastante e está ficando insustentável.

O aplicativo do banco Inter tem uma porção da tela mostrando postagens de pessoas e entidades ligadas ao banco e seus proprietários/controladores. Não há como desabilitar isso. O serviço se chama “Forum Inter”. Pessoal pegando pesado no esforço de influenciar os correntistas.

Eu consigo reconhecer algumas pessoas pelo nome, mas não sei quem são as outras. Imagino que sejam pessoas importantes do banco. Mas o fato é que isso pouco me interessa. Pouco me importa se eles são os donos da CNN ou se têm alguma opinião sobre o Clube Atlético Mineiro. Eu abri este aplicativo para fazer um pix.

Não quero uma dica de clube de investimento e nem saber qual foi o faturamento do banco no último trimestre. Como eu disse, eu quero fazer um pix.

Eu entendo ser este um “produto” que o banco usa para falar de si mesmo, das coisas que se relacionam com o banco e até acato a proposta de uma comunicação direta com o consumidor. Mas…

…tem três coisas que me incomodam profundamente nisso.

A primeira delas é que eu não pedi e nem permiti isso. Como consumidor de um serviço, sinto-me com o poder de escolher o que quero e o que não quero. Isso apareceu pra mim sem que eu quisesse ou solicitasse. Não é uma funcionalidade do serviço bancário e nem nada relacionado a uma. Nesse sentido, sinto-me desconfortável com aquilo na tela.

Eu não pedi e muito menos confio na capacidade de curadoria de conteúdo em forma de postagens curtas (à la twitter) de um banco. O espaço do aplicativo do banco é o espaço de realizar os serviços relacionados à minha vida financeira. E pronto. Este é o tipo de aplicativo que a gente abre, executa o que precisa e fecha. Não quero nenhum outro tipo de distração nesse processo.

A segunda coisa é a falta de controle. Vamos que o banco não abra mão dessa ferramenta. Como ela não é relacionada às transações que eu faço no aplicativo eu poderia simplesmente remover aquilo da minha interface.

Sendo esta porção da tela referente a algo que não é um serviço oferecido pelo banco, eu gostaria de poder simplesmente eliminar aquilo da interface. Mesmo que o banco ache isso a coisa mais legal em termos de comunicação, eu gostaria de poder remover aquilo. Falando em termos de experiência do usuário, esta porção da tela me mostra uma informação que eu não quero e nem pedi para ver. Não é algo relacionado ao serviço oferecido pela instituição; tratase de uma coisa totalmente secundária. Entendo que se houvesse um botão de “remover isso” eu não seria a única pessoa a apertá-lo.

A terceira coisa que me incomoda é o fato de este espaço poder ser usado para um tipo de comunicação e espalhamento de informações que não necessariamente servirão ao meu propósito como consumidor do serviço dessa instituição. Pelo contrário.

Quem diabos é Bernardo Pascowitch e porque o que ele está falando sobre Bitcoin está aparecendo na tela do meu aplicativo de banco quando eu quero apenas fazer um pix?

Quando você não está pagando por alguma coisa, você é o produto

Talvez das três coisas que eu falei acima, a terceira é a que mais me incomoda porque é algo que vai muito além da experiência ao usar um aplicativo. Os impactos podem ser muito mais profundos e marcantes. As consequências podem ser muito mais danosas.

Pensemos que o banco Inter tem mais de 34 milhões de clientes. São 34 milhões de pessoas que abrem este aplicativo quase que diariamente ou às vezes múltiplas vezes ao dia. Cada vez que cada um desses clientes abre o aplicativo, o banco (ou seus controladores) têm a oportunidade de “falar algo” para estas pessoas.

A CNN Brasil, outra empresa que os donos do Inter tem, é uma emissora de televisão que está 24 horas por dia no ar e não tem essa audiência.

Pensemos o que pode ser feito com uma audiência desse tamanho. No caso da imagem que eu coloquei acima, uma pessoa falando sobre Bitcoin tem uma audiência potencial compulsória de 34 milhões de pessoas.

Não é uma pessoa qualquer e muito menos é alguém que eu escolhi acompanhar ou mesmo querer saber o que pensa sobre Bitcoin. Alguém escolheu isso pra mim e está me forçando a ver isso na tela do aplicativo de banco que eu abri quando queria apenas fazer um pix.

O tal Bernardo não é uma pessoa qualquer. O que ele fala traz uma agenda. Não necessariamente é a minha agenda. E é aí que mora o perigo. Ele e todos os outros que aparecem ali são pessoas com várias intenções e as 34 milhões de pessoas que estão potencialmente vendo estas postagens não fazem a menor ideia de quais são essas intenções.

Colocar uma ferramenta/funcionalidade/seção como essa num aplicativo de banco não é algo que acontece por acaso. Não é um tiro no escuro. É algo pensado e planejado e leva em conta (dentre várias outras coisas) o fato de 34 milhões de pessoas potencialmente verem aquelas mensagens diariamente.

Pensando nas potenciais consequências e desdobramentos disso me faz chegar à conclusão de que oferecer serviço bancário gratuito é um baita investimento para o Inter.

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