Tem uma coisa que me incomoda um pouco que é ver o quanto a gente (aí estou falando sobre pessoas que estudam e trabalham com comunicação) se deixa levar por recursos retóricos que a gente conhece muito bem.
Parece que estamos passando recibo de tolos quando a gente vê discursos claramente fabricados para convencer as pessoas de alguma coisa (como comunicadores, a gente tem capacidade para enxergar quando um discurso é montado assim; afinal, a gente aprende a fazer isso e faz isso o tempo todo) e acaba convencido.
Me dá uma raiva quando percebo isso acontecendo…
O caso mais recente disso se refere ao que tem-se convencionado chamar de “Inteligência Artificial”. Temos visto este termo ser colado em tudo ultimamente com a desculpa de que isso será o nosso futuro inevitável e de que isso transformará tudo profundamente.
As duas colocações são bastante genéricas e não querem dizer especificamente nada objetivo. De propósito. Faz parte da retórica que está sendo construída para justificar a quantidade de dinheiro que tem sido investido nisso.
Eu fico chateado quando vejo pessoas falando que isso será uma espécie de futuro inevitável. A última vez que ouvi este tipo de discurso foi quando tentaram vender a ideia do metaverso do Zuckerberg e, como sabemos, passaram-se alguns anos e nada de o tal metaverso ter decolado.
Dá uma pena saber que teve gente que se matriculou em escolas convencido de que teria aulas imersivas com uso de realidade aumentada e viveria experiências de aprendizado inovadoras no metaverso.
Enfim, coletivamente fomos enganados e preferimos fingir que nada aconteceu porque, afinal de contas, ai de mim admitir que errei e acreditei em uma coisa que não era real, né?
Acho que a mesma coisa está acontecendo com isso que as pessoas tem chamado de inteligência artificial. Eu tenho uma resistência grande a esse termo porque li e vi coisas que me evidenciaram que estas ferramentas não representam inteligência. Nesse sentido, a primeira indicação que eu tenho pra hoje é a fala do Miguel Nicolelis sobre o assunto. Ele explica de um jeito fácil e claro de entender que a gente não deve chamar isso de inteligência artificial.
Isso não quer dizer que não exista utilidade para este tipo de coisa. Entendo que o aprendizado de máquina possa ser muito útil para realizar tarefas repetitivas que nós acabamos demorando muito para realizar. Os estudos e testes nesta área são promissores.
Mas achar que o ChatGPT vai substituir uma pessoa para escrever um texto é demais pra mim. Talvez porque eu esteja lendo muitos textos feitos com ChatGPT nos últimos semestres, graças a muitos alunos que enviam trabalhos que deveriam ser textos autorais mas acabam usando este tipo de ferramenta, eu acho que é muito fácil identificar este tipo de texto com uma estrutura muito fácil de perceber e uma forma que a gente detecta rápido. A profusão de listas e frases vazias / genéricas são algumas características deste tipo de texto. Fica chato ler textos assim e verdadeiramente não penso que este seja o nosso futuro. Tomara que não seja. Imagina a gente ter que ler textos que ninguém quis se dar o trabalho de escrever… Por que diabos eu deveria ler isso, então?
De igual maneira acho difícil comprar a ideia da geração de vídeo com estas ferramentas. O que tem sido mostrado, em geral, é coisa que não tem muita utilidade. Achar que isso será o futuro me deixa desanimado com o futuro.
Novamente reforço que não estou aqui para colocar água no chope de ninguém. As ferramentas de aprendizado estão evoluindo bastante e há muito potencial por exemplo no uso de trechos de áudio com a voz de alguém para treinar uma máquina que será capaz de reproduzir esta voz. Isso é maravilhoso e ao mesmo tempo assustador. Maravilhoso porque pode abrir uma série de possibilidades para a gente ter um novo tipo de dublagem, por exemplo, garantindo maior acessibilidade. Assustador porque abre portas para a criação de deep fakes que podem causar muito dano na sociedade.
Mas fato é que a gente, coletivamente, está se deixando levar por este discurso de que não há futuro sem IA sem ao menos saber de aplicações práticas concretas imediatas destas ferramentas. É isso que me decepciona. Em outros momentos eu reforçaria que o segredo do sucesso é saber segurar a onda. Por isso, é a falta de uma visão um pouco mais crítica sobre este cenário que se desenha.
Ah, e quando falo isso, não estou falando que devemos simplesmente fazer oposição a tudo pelo simples fato de construir a oposição. Não é nada disso. É a necessidade de nos afastarmos um pouco, olharmos este discurso tão facilmente identificável como vendedor de uma ideia que nem está ainda 100% construída e construirmos uma interpretação mais apropriada.
Nesse sentido, minhas recomendações finais são alguns episódios do podcast Better Offline em que o apresentador Ed Zitron discorre sobre os problemas relacionados a isso que tem-se convencionado chamar de inteligência artificial. Há também uma entrevista do CEO do Google falando sobre como eles pretendem seguir com a implementação das sugestões de texto construídas pelo Gemini nos resultados de busca, mesmo sabendo que estão repletas de erros. Outra leitura que eu recomendo é sobre como o uso de ferramentas como ChatGPT pode ser ruim para instituições educacionais; especialmente referindo-se às suas reputações. Por fim, uma recomendação de um texto comentado lá no Better Offline em que pesquisadores afirmam que o ChatGPT é pura bobagem.
Enfim, é isso que tem pra hoje.
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