(Estas reflexões começaram a ser escritas durante o período de transição do governo de Jair Bolsonaro e Lula, ao final de 2022. A ideia era recomendar que fosse adotada pelo governo Lula uma abordagem semelhante à que a Petrobras iniciou durante o período crítico da operação Lava Jato)
A digitalização da comunicação, evidenciada pela inserção das tecnologias interativas no cotidiano da sociedade, proporciona uma série de desdobramentos. Um exemplo desses desdobramentos é o deslocamento do poder que, no contexto de um mundo conectado, é também compartilhado com aqueles que outrora não dispunham do ferramental necessário para serem também emissores (Castells, 2015).
A agora ubíqua capacidade de indivíduos também poderem emitir informações neste suporte interativo evidencia um contexto comunicacional marcado pelas interações diretas entre a origem de uma informação e a sua audiência (Finnemann, 2011) demonstrando a formação de uma dinâmica menos transmissiva e mais dialógica, interativa e personalizada (Martinuzzo, 2014).
Neste contexto podemos perceber a emergência da comunicação direta; ou ao menos da entrega de informações diretamente de um emissor (que pode ser uma pessoa, uma marca, uma entidade de governo ou uma figura pública) e uma audiência que se dispõe a se conectar com este emissor, sem a intermediação de uma entidade de mídia; um veículo da mídia de massa (Oliveira e Mendes, 2020). A este fenômeno de conexão entre a fonte de informação e a sua audiência por meio de mídias digitais interativas, chamamos desintermediação. Embora o conceito de desintermediação venha recebendo críticas recentes (Taylor e Marx, 2023) – estas serão tratadas oportunamente em nova publicação – o potencial, mesmo com as intervenções relatadas por Taylor e Marx (2023) por parte das plataformas de mídia social, prevalecem.
Da mesma forma que nas relações entre indivíduos, a desintermediação provoca alterações na comunicação organizacional. Num contexto regido pela comunicação nas mídias de massa não era possível para as organizações estabelecer diálogos com a mesma facilidade ou com os mesmos recursos multimodais agora disponíveis. A Internet representa de forma consolidada este conjunto de recursos, considerados significativamente transformadores da cultura e da sociedade (Hjavard, 2015).
Criado como um espaço para funcionar como plataforma de conversação entre a organização e a sociedade (Lemos, 2009), o Blog da Petrobras, intitulado Fatos e Dados, representa bem um processo de desintermediação proporcionado pelas tecnologias interativas, já tendo sido, inclusive, objeto de investigações sobre convergência (Moschetta e Jacopetti, 2009; Träsel, 2009), o impacto no processo de produção de notícias (Loose e Franzoni, 2009) e a imagem da organização (Barbosa, 2012).
O blog da Petrobras faz parte de um conjunto de espaços conversacionais onde a organização pode estabelecer um contato direto com a sociedade com a oportunidade de construir a sua própria narrativa. Sua criação coincide com o período da história brasileira em que a Petrobras fazia parte do noticiário nacional em função das investigações relacionadas aos esquemas de corrupção descobertos envolvendo a empresa (Oliveira e Mendes, 2020). O blog Fatos e Dados se coloca, então, como uma fonte oficial de informações simplificadas e esclarecedoras da organização, abordando suas ações e esclarecendo eventuais problemas que possam ser desenvolvidos a partir de interpretações feitas sobre os fatos em publicações na internet e na mídia de massa.
Durante o governo Bolsonaro, de 2019 a 2022, a Presidência da República se dirigia semanalmente por meio de vídeos transmitidos ao vivo em diferentes canais nas plataformas sociais comerciais (Soares, 2021). Este comportamento permitiu que o então presidente da república estabelecesse um canal de comunicação desintermediada – pelo menos potencialmente, visto que as plataformas sociais comerciais ainda realizam a intermediação conforme apontado por Astra Taylor em Taylor e Marx (2023) – com a sua audiência. Embora este tipo de ação seja eficiente em termos de conquista de um alcance potencial alto e uma comunicação dentro dos moldes da já abordada desintermediação, há uma questão importante a considerar sobre seu formato.
As transmissões ao vivo de Jair Bolsonaro enquanto presidente da república apresentavam um formato estético bastante questionável. A impressão é a de que se construía uma aura de espontaneidade e simplicidade bastante artificiais (Costa, 2023). Além disso, a linguagem utilizada e a forma que as informações eram tratadas deixavam uma impressão de que as decisões eram tomadas na base do improviso. Esta abordagem proporcionava inegavelmente uma aproximação com importante parcela da população que apoiava o presidente. No entanto, não havia nenhum princípio básico de jornalismo ou mesmo de comunicação organizacional aplicado nos conteúdos das transmissões. Além disso, faz parte da questão relacionada a essas transmissões ao vivo a ausência de qualquer tipo de verificação ou mesmo contextualização das informações passadas. Ao que parece ser, este tipo de abordagem era intencional e ajudou a criar enorme ruido na comunicação e nas dinâmicas envolvendo o acompanhamento noticioso do governo.
O conjunto de táticas operadas pelo governo Bolsonaro em suas transmissões ao vivo colaboraram de sobremaneira para o acirramento da polarização política no país e também para o crescimento no comportamento de descrença na mídia de massa e no jornalismo no Brasil bem como proporcionou vários episódios de espalhamento de desinformação no país.
A sugestão seria, portanto, a de que o governo Lula adotasse postura e táticas semelhantes às da Petrobras e não as que foram operadas pelo governo de Bolsonaro. Estabelecer um canal formal de comunicação direta e desintermediada por meio de um blog e não de uma plataforma social comercial. Além disso, a adoção de uma abordagem formal e institucional de transmissão da informação. Motiva esta sugestão a necessidade de uma recuperação de credibilidade do governo e da ideia de que processos estão sendo executados dentro dos trâmites formais e corretos. De igual maneira a adoção deste formato possibilitaria o escrutínio por parte da mídia de massa em uma dinâmica que poderia proporcionar uma retomada da credibilidade tanto da classe e dos processos pol;íticos quanto da própria midia de massa.
É fácil compreender como pode se parecer atraente e convidativa a adoção de uma estética informal de comunicação e a entrega de informações de forma desordenada (falsamente espontânea) por meio das plataformas sociais comerciais. Entretanto, a perpetuação desta estética pode proporcionar consequências ruins num longo prazo justamente porque isola a imprensa do processo e das dinâmicas comunicacionais que envolvem o governo e colabora com o crescente descrédito da população acerca da classe e dos processos políticos e, claro, da própria imprensa.
Infelizmente a escolha do governo Lula foi a de dar sequência a este tipo de abordagem com algumas adaptações. Esta abordagem tem se mostrado ineficiente porque, em primeiro lugar gera a possibilidade de comparação com o governo anterior (Nadir e Albernaz, 2023), o que já é ruim. Em segundo lugar não chega efetivamente a alcançar os mesmos resultados que o governo anterior junto à sua base, que se comporta de uma forma um pouco diferente daquela de seu antecessor.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Valéria Magalhães. Blog corporativo: uma ferramenta para fortalecer a imagem institucional. Revista Ciências Humanas, [S. l.], v. 3, n. 2, 2012.
CASTELLS, Manuel. O Poder da Comunicação. São Paulo / Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2015.
COSTA, Júlia Morena. Emulações da Precariedade e Autenticidade nas Cenas Bolsonaristas: Análises da Estética da Extrema-Direita Brasileira. Revista Letra Magna, v. 19, n. 32, 2023.
FINNEMANN, Niels Ole. Mediatization theory and digital media. Communications, [S. l.], v. 36, n. 1, p. 67–89, 2011.
HJARVARD, Stig. Da Mediação à Midiatização: a institucionalização das novas mídias. Parágrafo, [S. l.], v. 3, n. 2, p. 51–62, 2015.
LEMOS, A. Nova esfera conversacional. Esfera pública, redes e jornalismo, [S. l.], v. 6, n. 3, p. 9–30, 2009.
LOOSE, Eloisa B.; FRANZONI, Sabrina. Acontecimento: a inversão na relação entre jornalista e fonte de informação evidenciada no blog da Petrobrás. In: 2009, Anais[…]. . In: 7oENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO SBPJOR. [s.l: s.n.]
MARTINUZZO, José Antonio. Os públicos justificam os meios. São Paulo: Summus Editorial, 2014.
MOSCHETTA, A. P.; JACOPETTI, A. M. Convergência no jornalismo: o caso do blog da Petrobrás. SBPJor-ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM JORNALISMO, [S. l.], v. 7, 2009.
NADIR, P.; ALBERNAZ, I. Flopou: Lula chega a 2,5 mi de visualizações com 10 lives semanais. 23 ago. 2023. Disponível em: <https://www.poder360.com.br/governo/flopou-lula-chega-a-25-mi-de-visualizacoes-com-10-lives-semanais/>. Acesso em: 3 jan. 2024.
OLIVEIRA, Caio C. G.; MENDES, Laila A. Organizações Midiatizadas: um olhar sobre as narrativas percebidas no blog da Petrobras e em outras publicações na Internet sobre a nova gasolina brasileira. In: 2020, Anais [….]. . In: 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. [s.l: s.n.]
SOARES, Mônica Melchiades. Populismo e pós-verdade na gestão do primeiro ano da pandemia do Coronavírus no Brasil: as lives semanais de Jair Bolsonaro no YouTube. 2021. Tese de Doutorado. Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.
TAYLOR, A.; MARX, P. Why tech makes us more insecure. Tech Won’t Save Us, 21 dez. 2023. Disponível em: <https://www.techwontsave.us/episode/199_why_tech_makes_us_more_insecure_w_astra_taylor>. Acesso em: 3 jan. 2024
TRÄSEL, Marcelo. Comunicação mediada por computador e newsmaking: o caso do blog da Petrobras. In: 2009, Anais[…]. . In: XXXII CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. [s.l: s.n.]
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