O desafio das plataformas, dos governos e das sociedades

O texto publicado no The Intercept Brasil do dia 31 de março reflete sobre o caso de o YouTube vetar o impulsionamento do vídeo do episódio nº 139 do podcast Tecnopolítica.

Tanto o texto quanto o vídeo são bastante interessantes e eu recomendo que você preste atenção no que está lá.

Assistindo o vídeo, fui me lembrando de pontos que já haviam sido indicados em texto publicado lá em 2019 que versa sobre as necessárias reflexões acerca das plataformas sociais e o que fazemos com elas. Embora o texto de 2019 aborde principalmente o Facebook, acredito que a reflexão possa ser tratada para entendermos o que ocorreu e foi relatado no vídeo/podcast do Tecnopolítica e no texto do The Intercept Brasil.

Adotamos as plataformas sociais como parte importante das dinâmicas dialógicas que ocorrem na internet. Fazemos uso destas plataformas como se fossem parte de estruturas sociais inerentes às forças dos interesses financeiros de corporações. Só que elas não são. As plataformas servem a interesses das empresas que as mantém.

Estamos tão acostumados a levar nossas vidas considerando que “todo mundo está no twitter / facebook / youtube” que a gente se esquece de que estes espaços não são espaços públicos. Como dito, são aplicações privadas que pertencem a instituições comerciais que as exploram esperando um benefício financeiro. Como tais, seguem normas e atuam de acordo com os interesses das empresas que as controlam.

Isso quer dizer que as plataformas e empresas são essencialmente malvadas e que devemos evita-las? Obviamente não. Se não fossem as plataformas e as mídias sociais, muitos dos benefícios e movimentações sociais que presenciamos nos últimos anos não teriam ganhado a dimensão que ganharam ou mesmo teriam ocorrido.

Um longo caminho a seguir.
Não devemos observar as plataformas como isentas ou neutras. O mito da neutralidade deve ser definitivamente derrubado (este texto do pessoal do CHT é bem interessante neste sentido). Precisamos vencer essa ideia / utopia de neutralidade (seja de veículos de imprensa, governos e, claro, corporações).

O passo seguinte será vencer a ideia de que “já que não são neutras, estas entidades são malvadas”. Também não é bem assim. O importante é que nós – como sociedade – consigamos enxergar estas entidades como o que elas realmente são: a materialização ou operacionalização em ações de interesses de grupos de pessoas.

Nesse sentido, é de se esperar que governos, em tese, venham a representar interesses mais amplos, que visem o bem de todos aqueles que são representados por eles. Interesses específicos, vinculados aos ganhos financeiros são o que move as ações das empresas. Sabendo que são empresas que criam e mantém plataformas de mídia social, isso fica mais simples. De igual maneira, são empresas que detém o controle e pautam as ações de empresas de comunicação e mídia.

Concluindo?
Estão todos defendendo interesses. Como cidadãos podemos interferir no processo escolhendo bem os nossos representantes legislativos e executivos que vão trabalhar para defender nossos (sociedade) interesses, criando as regras e trabalhando para garantir a execução e o cumprimento destas regras.

Isso leva ao fato de que cabe aos legisladores criarem os regramentos que pautarão e regularão as ações das empresas e os governos atuarem no sentido de garantir que sejam cumpridas. No sentido específico do que venho tratando aqui, a regulação vale para empresas de mídia e comunicação e, claro, para as plataformas sociais. A regulamentação não significa e nem implica em censura ou mesmo cerceamento de liberdades. Entendo que devem ser mecanismos que garantam um funcionamento mais claro das atividades nas quais estas instituições estão envolvidas.

Se a gente escolher bem os legisladores e os nossos representantes no executivo, teremos (sociedade) mais chances de um futuro mais bacana neste aspecto.

No outro ponto estão as empresas e entidades comerciais que, no momento que o conjunto de regramentos estiver estabelecido e em operação, devem adequar sua operação e desenvolver políticas internas de trato das questões que proporcionem impactos para as sociedades em que atuam.

Se não existirem os conjuntos de normas e regras que instituam as fronteiras das ações das instituições comerciais, estas criarão as suas próprias regras, ocasionando em desdobramentos que não necessariamente agradarão ou mesmo atenderão os interesses das sociedades. As entidades comerciais, por sua vez, precisam atuar de forma a conciliar os seus interesses com aqueles das comunidades que atendem.

Muriel Deacon

Muriel Deacon é uma personagem da série Years and Years. Se você não assistiu a série, faça a si mesmo este favor e assista. São apenas seis episódios. Te garanto que vai valer a pena.

A série mostra um futuro possível muito próximo. Imediato. É assustadora a semelhança com o contexto atual que vivemos. Como muitas produções da BBC (Black Mirror sendo o exemplo mais famoso) é uma crítica ao nosso presente.

O trecho acima é retirado do penúltimo episódio. Eu acho que ele é bem bacana para nos ajudar e nos motivar sobre decisões importantes que precisamos tomar para que evitemos chegar a um futuro tão estranho quanto o que a série mostra.

Como o meu contexto atual é o de olhar as plataformas como objeto de estudo, minha interpretação deste monólogo se encaixou fortemente com a questão de como precisamos sair delas o quanto antes para podermos evitar um futuro horrível. As indicações de que as plataformas agem ativamente para nos prejudicar como cidadãos estão aí. Só não percebe quem não quer. A edição de hoje da “The Interface” me motivou juntar o monólogo da Muriel com esta reflexão e postar estas linhas desordenadas aqui.

Precisamos sair das plataformas o quanto antes. Facebook e Twitter sendo os primeiros dos quais precisamos sair. Isso é urgente e precisa ser feito pela maior quantidade de pessoas possível. Se seguirmos o uso que fazemos dessas plataformas, a tendência é uma degradação exponencial.

Andrew Keen falou disso.

Bob Hoffman falou disso.

Zeynep Tufekci falou disso.

Jaron Lanier falou disso.

Eli Pariser falou disso.

Geert Lovink falou disso.

Shoshana Zuboff falou disso.

Só não vê, quem não quer. Instagram, Facebook, WhatsApp e Twitter devem deixar de fazer parte de nosso cotidiano. O quanto antes. E eles são apenas os primeiros que devem sair. Outras plataformas precisam ser eliminadas ou ter seu uso readequado. LinkedIn e YouTube se encaixam nesta segunda categoria.

Enfim. Sei que parece mais um rant. E é. Mas é um rant que precisa ser observado e seguido. Isso está fazendo mal para as pessoas. Para nós.

Refletindo sobre a ambígua característica das plataformas sociais

Logo após o massacre impingido pela Polícia Militar do Estado de São Paulo em Paraisópolis, na madrugada do dia 01 de dezembro de 2019, um vídeo começou a circular nas plataformas sociais retratando uma reunião entre moradores do Morumbi, bairro vizinho de Paraisópolis e o comando do 16º Batalhão da PM. O vídeo não foi gravado após o massacre, mas sim vem do documentário Entremundo, de Thiago Brandimarte Mendonça e Renata Jardim, feito em 2015. O trecho que circulou foi editado a partir de dois pontos do documentário. O primeiro começa aos 13:50 e depois outro pedaço vem de 18:00. Veja o vídeo que circulou.

https://www.youtube.com/watch?v=rIFmUlRC1vE

Além de mostrar o ódio que os ricos sentem dos pobres no Brasil (não imagino que isso seja novidade para você), neste trecho há uma coisa muito importante, que passou desapercebida por muitos.

Não é o cara de terno e gravata falando cidaões (sic). Não é também o cara pedindo para “limpar” Paraisópolis.

O que quero ressaltar é uma frase impactante. Acho que dá para desenvolver algo a partir dela. Na frase, destacada a seguir a partir de um trecho de uma intervenção de um morador do Morumbi, pode-se perceber algo importante para desenvolvermos uma visão um pouco mais crítica das plataformas sociais:

“(…) olha, se tivesse um Batman – eu já escrevi isso várias vezes – se tivesse um Batman; um Batman na rua, ia matar todo mundo aí”

(referindo-se, obviamente à população de Paraisópolis)

Este trecho, bem pequeno, que passou batido para praticamente todo mundo que compartilhou e reverberou o vídeo editado, me acendeu uma luzinha importante, que se relaciona com muito do que venho discutindo sobre as plataformas de mídia e de rede social.

As plataformas proporcionam a catalise de uma coisa que é, ao mesmo tempo, o maior benefício e o maior malefício da Internet como ambiente de comunicação: qualquer um pode postar o que quiser.

Obviamente as pessoas podiam postar o que queriam antes de existirem e serem amplamente adotadas as plataformas sociais. Mas estas plataformas, como disse, proporcionam uma aceleração e alcance sem precedentes, funcionando como um catalisador.

Observando a frase destacada da fala do morador do Morumbi, não é exatamente a catalise que assusta, mas o fato de este morador usar em sua narrativa o argumento de que “já escrevi isso várias vezes”. É aí que quero chegar. As plataformas sociais permitem que falemos o que bem quisermos. Recebemos, por isso, likes e comentários; que acabam nos estimulando a falarmos mais e mais porque estes ativos intangíveis evidenciam o ganho de capital social, tão importante em redes sociais (digitais ou não).

A dinâmica social que percebemos em plataformas como o Facebook, Instagram e WhatsApp é bem semelhante à que vemos no trecho do vídeo. No trecho temos pessoas que pensam de forma semelhante e que se apoiam reunidas no espaço restrito do batalhão de polícia (um grupo de WhatsApp ou de Facebook apresenta dinâmica bastante semelhante) e que aprovam ou dão suporte ao que membros falam ao concordarem balançando suas cabeças e proferirem “humhum”, “é isso mesmo” ou apenas sorrindo. Nestes ambientes, falamos o que queremos.

Se não encontramos voz dissonante ou comentário contrário ao que foi falado, acabamos por acreditar que falamos algo importante e que pode ser repetido. Esta é a dinâmica perigosa.

Como estamos vivendo um período em que discordar é algo desvalorizado e que buscamos nos aproximar apenas daqueles que concordam com a nossa visão de mundo, corremos o risco de desenvolvermos a falsa sensação de que tudo o que falamos e pensamos é correto.

O cidadão do vídeo, que se gaba por já ter escrito isso várias vezes (provavelmente em grupos do FB ou do WhatsApp), não se sente constrangido de dizer que gostaria de ver alguém matando pessoas de quem não gosta ou por quem não nutre simpatia. Como ninguém provavelmente jamais disse a ele que desejar a morte de pessoas não é uma coisa bacana, ele não se sente minimamente acanhado de revelar esta sua vontade.

E esta é a dinâmica que impera nas plataformas sociais. Como Han fala exaustivamente, a negatividade é evitada a todo custo na sociedade contemporânea. Vivemos evitando qualquer coisa que nos faça ter que discutir. A problematização de questões é vista como negativa e queremos distância disso como sociedade. Textos longos são evitados e ridicularizados. Vale o meme e o riso fácil. Embora muitos memes tragam importantes reflexões, o que se vê é o trabalho de superfície; aquilo que traz o riso fácil e rápido. Ao invés de discutir e problematizar, cancelamos.

Enfim, o comportamento natural contemporâneo é o de evitarmos embates e nos cercarmos apenas daquelas fontes de informações com as quais concordamos a priori. Tiramos conclusões rápidas a partir de títulos compartilhados. Não clicamos nos links; compartilhamos, curtimos e seguimos adiante.

Tendemos a ignorar / deixar de seguir ou bloquear aquelas pessoas e fontes de informação com as quais discordamos, apenas as pessoas que concordam com a gente vai ver o que a gente posta e acabar interagindo com nossas postagens. A ausência de vozes que discordam do que falamos acaba por criar em nós a ilusão de que aquilo que falamos é a verdade; afinal, ninguém nos disse que não é. Então, é.

Nesse sentido, não há espaço mais adequado para a perpetuação deste comportamento que uma plataforma social que me permite este controle, de ver apenas o que eu quero ver e de falar o que eu quero para que pessoas que concordam comigo possam concordar e replicar a mensagem.

Este ambiente, o ambiente de uma plataforma social, é o ambiente onde aquele morador do Morumbi “escreveu várias vezes” e que validou a sua fala estapafúrdia, que torna externa a vontade de matar as pessoas de quem não gosta. Estamos todos, de uma forma ou de outra, nos comportando como este morador do Morumbi. Não que todos tenhamos vontade de matar outras pessoas como ele, mas fato é que estamos falando apenas coisas rasas para pessoas que concordam sem querer conversar e assim o ciclo vai se perpetuando.

Eu acho que é sobre isso (e como escapar disso) que devemos conversar em 2020, e daí para sempre. Como fazer? Eis a questão. Tem uma ideia? Comente. Vamos conversar em busca de uma resposta ou ao menos um caminho.

Para quem se interessou, eis o documentário completo, publicado no YouTube pelo Le Monde Diplomatique Brasil:

https://www.youtube.com/watch?v=emj6jqA6Ywg

 

Toda vez que vejo isso. . .

Toda vez que vejo uma ação de comunicação com o argumento de que tal empresa é “o Uber de XXX” ou “o Netflix de XXX” logo me lembro das sábias palavras da Lisa Simpson quando Marge fala da universidade McGill, num episódio da 22ª temporada:

Em outras palavras, o que a Lisa quer dizer (e que todo mundo deveria ouvir) é que “qualquer coisa que se denomina “o XXX do YYY” na verdade é o nada do nada”. Isso se aplica a muitos empreendimentos que apenas se espelham em outros. Não há identidade; capacidade distintiva. . . Enfim. Não há nada que os identifique, a não ser a sua semelhança (cópia) de uma outra coisa.

Ou seja: ainda há muito o que evoluir. . . 🙂

Intercom 2019 – Belém (PA)

No último dia 06/09 estive em Belém para apresentar um texto que está em desenvolvimento em meu grupo de pesquisa sobre a plataformização da nossa presença na Internet.

O título do texto é: “Precisamos conversar sobre o Facebook: Uma provocação sobre a plataformização das atividades sociais na Internet“. Ele faz parte de um conjunto de relatos de investigações que venho fazendo nos últimos anos.

A apresentação fez parte da programação do GP de Comunicação e Cultura Digital da Intercom. Durante o resto do evento participei de diversas sessões do GP e o aprendizado foi muito grande.

O texto, como dito, está em elaboração. A versão apresentada vai receber alguns aportes a partir dos ótimos inputs que recebi no evento e será publicado no e-book que o GP lançou este ano. Aguardem novidades nos próximos meses 🙂

 

Atrás do trilho, reside um velho milho

Outro dia um colega professor falou que escutar podcasts era uma tortura. Adorei.

Como você deve saber, ouvir podcasts pra mim é exatamente o contrário de uma tortura: é um enorme prazer. Aprendo muito. Este post, então, é apenas uma desculpa para recomendar a você dois podcasts bacanas. Tudo porque os seus episódios mais recentes falam sobre milho.

O primeiro deles é o 37 graus. Para mim, um dos melhores podcasts produzidos no Brasil na atualidade. Para contexto, recomendo o episódio Pipoca, Pamonha e Canjica. O episódio mostra muito da capacidade das apresentadoras/redatoras/produtoras de contar histórias. Fala, logicamente, sobre o milho.

O outro é o podcast do Duolingo em espanhol, que, em seu mais recente episódio, claro, fala também do milho. Adoro este podcast para aprender um pouco e minimizar os micos que pago quando me meto a falar espanhol.

Aproveito a desculpa dos podcasts para recomendar a você que escute uma música que gosto muito:

Algumas coisas que percebi durante o mês que usei o Nubank como meu principal cartão

Tenho o cartão de crédito do Nubank há alguns anos e priorizo o uso dele para fazer minhas compras pela internet. Ele se mostrou muito mais bacana do que o meu cartão anterior, do Santander. O que me fez priorizar o uso do Nubank para compras online foi o fato de repetidamente o Santander negar processar uma compra legítima que eu estava tentando fazer online e eu só conseguir fazer pelo Nubank. Você pode até argumentar que o Santander faz isso por segurança. Mas aí quando apareceu uma compra suspeita na minha fatura, novamente tive muito mais trabalho de cancelar e não ser cobrado indevidamente pelo Santander do que pelo Nubank.

Por isso (e claro, por uma série de outros motivos) o Nubank tem tomado de assalto (trocadilho infame) o mercado de serviços financeiros no país.

Recentemente foi habilitada pra mim a função de débito no Nubank. Achei interessante e resolvi passar um mês usando apenas o Nubank para débito e crédito. Foi julho. Assim que recebi meu salário, fiz um saque para garantir um $$ no bolso durante o mês (emergência, etc) e transferi todo o resto pra conta do Nubank; durante o mês usei apenas o cartão para débito e crédito.

A primeira coisa que senti foi um frio na barriga. Isso porque fiquei com medo de precisar fazer saques. Afinal, cada ida ao caixa 24h para tirar dinheiro de sua conta no Nubank vai te custar 7 dinheiros. Ou seja: se você vai tirar R$10, o que vai sair de sua conta são R$17. Assustador. Ainda bem não precisei fazer isso. Obviamente, como tenho conta no Santander, poderia tirar por lá. Isso me deixou mais tranquilo. Mas enfim.

Uma outra coisa que achei bacana foi usar apenas a aproximação do cartão para pagar coisas no débito. Achei muito legal e, ao mesmo tempo preocupante. Em alguns locais, apenas aproximando a compra já era processada. Em outros, além de aproximar, precisava digitar a senha. Em alguns, embora a maquininha tivesse o indicador de pagamento pro aproximação (algo que au acabei usando muito) os operadores nem sabiam do que se tratava. Fiquei um pouco preocupado com a questão da segurança. Qualquer pessoa com meu cartão poderia fazer comprar mesmo sem saber minha senha!!

Ao longo do mês tudo correu bem. Paguei todas as compras com o Nubank e foi uma experiência bem interessante. Já nos últimos dias de julho, ao fazer uma compra na loja do Leroy Merlin, o operador do caixa puxou papo quando fui pagar com débito Nubank e ele me deu uma dica. Ele disse que estava usando a conta do Nubank também, mas que fazia diferente. Ele passava todo o dinheiro para a sua conta do Nubank como eu. Mas ele não usava o débito. Apenas o crédito. De acordo com ele, o dinheiro ficava rendendo lá na conta e, quando chegava a fatura ele pagava com o dinheiro que estava lá. Ele disse que sempre dava para ganhar alguma graninha extra assim. Achei que o caixa da Leroy era realmente muito mais esperto financeiramente do que eu. A cada dia, um novo aprendizado 🙂

Enfim. O experimento foi legal para descobrir que eu realmente não preciso mesmo do Santander para viver. Embora a questão de pagar POR SAQUE seja bem ruim, tenho esperança de um dia isso se resolver e eu passar a usar apenas o Nubank.

Refletindo sobre abandonos de debates

Recentemente o cientista político Rudá Ricci abandonou um programa ao vivo na TV Horizonte. Assista abaixo o vídeo em que o Rudá abandona o debate.

O ocorrido me fez lembrar de outro acontecimento do passado recente: o abandono de um programa de Rádio pela Márcia Tiburi. Veja abaixo o vídeo deste episódio.

Entendo que os dois casos de abandono de debate tem motivação comum: a impossibilidade de discutir com pessoas que argumentam de uma maneira semelhante. Embora coincidentemente os dois debatedores que foram abandonados defendam uma mesma pauta, não é esse o ponto.

O ponto é a maneira com a qual estas pessoas defendem suas ideias, a postura agressiva com a qual se colocam, a forma como desqualificam qualquer ponto de vista diferente dos seus e a impossibilidade total de desenvolver uma conversa sensata desta maneira. Em outras instâncias também tive muita dificuldade de debater com quem se comporta desta forma.

Não tiro a razão dos dois que abandonaram os debates. Não tenho sangue frio, não sei se eu teria a mesma capacidade. Mas, enfim.

O que quero dizer é que achei uma pena que o Rudá usou de sua titulação para desqualificar o rapaz do PSL com quem debatia. Acho que não é esse o caminho. Não é a titulação de alguém que capacita a pessoa de trocar ideias. Conheço pessoas que não tem qualquer titulação e que são extremamente coerentes e interessantes de se conversar. Ao mesmo tempo, conheço doutores que são obtusos e não sabem conversar.

Acho que o que impede que exista uma conversa legal e produtiva nestes (e em vários outros) debates é que ninguém está aberto a ser convencido. Isso é uma coisa complicada. Participar de um debate não é tentar convencer o outro. É apresentar suas argumentações e, principalmente, estar aberto a ser convencido. Se não há a menor possibilidade de você ser convencido por seu interlocutor, melhor não debater mesmo.

Enfim. Queria apenas refletir sobre isso.

Muito chata esta “tara” por negócios que (apenas) dão lucro

Não que eu seja contra ganhar dinheiro, obviamente. O que me chateia é essa tendência a valorizar – por parte de quem reporta sobre tecnologia e, como consequência, por parte dos leitores dessas publicações e dos usuários em geral – apenas iniciativas tocadas por empresas que visam o lucro como soluções viáveis para os problemas das pessoas. O exemplo mais recente é o Parler (que foi reportado pelo Inside Social como sendo uma alternativa para o Twitter).

Por quê precisamos de uma alternativa ao Twitter?

A resposta é simples (mas não pequena). . . pelo motivo de aquele espaço ser um ambiente tóxico, repleto de contas falsas e discurso de ódio, onde as conversas não fluem como poderiam porque há manipulação algorítmica do alcance orgânico das postagens (em outras palavras: nem todos os seus seguidores visualizam tudo o que você publica lá é, obviamente, você não vê tudo o que as pessoas que você segue publicam. . . ) e, em breve, teremos os diálogos potencialmente manipulados com respostas escondidas, o que pode -potencialmente – polarizar ainda mais as posições. Mas enfim. . . por isso que eu acho que é importante que existam alternativas ao Twitter. O Parler é apenas a mais nova dentre as possibilidades controladas por empresas com fins lucrativas. Recentemente vimos o Gab (que, tal qual está sendo reportado sobre o Parler, foi tomado por supremacistas brancos e o pessoal “de bem” da extrema direita). Enfim. . . precisamos que o diálogo flua e que os ambientes sejam saudáveis. Por isso precisamos de alternativas ao Twitter. O que eu acho é que não necessariamente esta alternativa será proporcionada por uma empresa que vise o lucro. Ponho isso porque entendo que esta busca pelo faturamento acaba levando todo mundo a cometer os mesmos erros que as plataformas que hoje existem: por precisarem de $$, manipulam o feed e permitem a criação de contas falsas e robôs. Isso leva a saúde de uma plataforma ladeira abaixo.

A alternativa já existe

Então. Acho que já existe uma excelente alternativa ao Twitter. Ela se chama Mastodon. É open source e federada. Nela, não há manipulação algorítmica do feed e os diálogos podem fluir. A única coisa que me inquieta lá é que é possível criar contas falsas. Acho que o Mastodon é a alternativa perfeita ao Twitter. O fato de ser descentralizado é muito bacana. Podemos criar uma instância de Mastodon privada e nela só deixarmos se cadastrar pessoas que existem de verdade. . . ou então controlar o ambiente expulsando aqueles que tragam discurso de ódio ou mentiras. . . enfim. Eu acredito que é uma opção infinitamente melhor. Mas o pessoal gosta de reportar e valorizar casos de empreendedores que desenvolvem produtos que são voltados para seu enriquecimento. Uma pena. /rant

Tudo sobre tod@s

Já há algum tempo fiz a leitura do livro Tudo sobre tod@s, de autoria do prof. Sérgio Amadeu, como parte da preparação de uma conferência que acabei não proferindo (uma pena, aliás).

Recentemente recuperei esta leitura porque estou transformando o material que usaria na conferência em um artigo. Nesse sentido, decidi falar um pouco do livro aqui, como parte do processo de recuperação do assunto e, claro, para compartilhar e indicar a leitura.

Antes de qualquer coisa, devo dizer que o livro tem leitura bastante recomendada. O texto do professor Amadeu é bastante interessante. Elucidativo sobre as ameaças dos dispositivos que carregamos em nossos bolsos especialmente no que diz respeito às capacidades de -por meio deles- empresas descobrirem cada vez mais sobre nós e nossos hábitos.  

Há muitas reflexões bacanas sobre privacidade e o autor nos apresenta o tempo todo aos argumentos e contra-argumentos que envolvem a privacidade e propriedade dos dados. Penso tratar de uma boa referência sobre o tema escrita por um autor brasileiro.

Entretanto há que se considerar que, embora o texto apresente excelentes argumentos muito bem embasados e ótimas recomendações e referências, em outros momentos a redação informal e quase condescendente incomoda um pouco.

Outra coisa que me chamou a atenção – desta vez de maneira bastante positiva – foi a busca por referencial da área de gestão. Isso é bastante legal por parte do autor. Apesar disso, me surpreendeu que, mesmo com esta busca, o texto trate de criação de necessidades; algo que é bastante controverso. Mais fácil talvez seja formos em criação de desejos a partir de descobertas de tendências e culturas por meio de dispositivos de vigilância como os smartphones. Além disso a ideia de que as bolhas formadas em função da atuação de algoritmos nas plataformas seja algo pensado não me parece encontrar pleno respaldo.

De qualquer forma, acho que é um texto muito importante e necessário. Creio que será encarado como uma leitura básica e imprescindível sobre o assunto.